Erga Omnes – A alteração do regime de bens e a preservação dos direitos de terceiros

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Por: Gustavo Schneider Nunes*

A escolha do assunto ora tratado nesta coluna é uma forma singela de homenagear um grande professor de Direito Civil e, em particular, um dos autores mais influentes do Direito de Família: Zeno Veloso. O ilustre autor, falecido recentemente, deixa uma lacuna impreenchível, embora o seu legado há de ser eterno, por conta de seu brilhantismo e da alta sensibilidade externada na análise de questões polêmicas e delicadas da vida em sociedade.

Feita essa ressalva introdutória, passa-se a discorrer sobre o tema proposto.

De acordo com o art. 1.639, § 2º, do Código Civil, há possibilidade de alternação do regime de bens no curso da relação conjugal, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

Esse dispositivo, ao mesmo passo em que é belo por conferir maior liberdade aos cônjuges, a fim de que possam moldar o regime de bens segundo as necessidades de ajustá-lo aos novos interesses e à vontade atual do casal, por outro lado, sem a cautela devida, pode ser perigo, por também conferir certa margem de manobra indevida para a ocorrência de fraudes em relação à partilha dos bens conjugais, com a prática de comportamentos marcados por forte individualismo exacerbado, do qual o egoísmo e a ganância podem exsurgir de forma tão inóspita que a boa-fé, não raras vezes, é deixada de lado.

Ocorre que essa alteração de regime não pode prejudicar o direito de terceiros.

Por isso, independentemente do fato de alguns tribunais exigirem que a pretensão modificativa seja precedida da publicação de editais informativos de certidões negativas de débitos fiscais e de outras naturezas (federais, estaduais e municipais), de certidões negativas de protestos, de certidões extraídas perante a Junta Comercial, dentre outras exigências, o certo é que, na prática, a modificação do regime de bens não produz efeitos retroativos, mas apenas efeitos projetados para o futuro (ex nunc).

Com base nessas considerações, um acórdão expressivo da controvérsia foi recentemente proferido pela 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que confirmou a sentença do juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Botucatu.  No caso, não foi acolhido pelo Poder Judiciário o pedido de um casal que buscava a alteração do regime de comunhão parcial de bens – estabelecido desde 2008 – para o regime de separação total de bens, sob o argumento de que a mudança melhor atenderia aos seus interesses.

A decisão do TJSP, amparada na finalidade de preservação dos direitos pertencentes a terceiros, negou o pedido de alteração do regime de bens, por considerar não apenas um perigo potencial, eventual ou hipotético, mas por ter verificado a existência de ações de cobrança contra o casal e, por via de consequência, vislumbrou que, diante da diminuição do patrimônio do casal, os terceiros seriam prejudicados por não conseguirem – ou por terem demasiada dificuldade em – recuperar seus créditos, embora, repita-se, a alteração de regime somente produz efeitos projetados para o futuro, sendo incapaz de alterar o passado.

* Gustavo Schneider Nunes é advogado, professor e doutorando em direito pela UNAERP.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.

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