Erga Omnes – Penhora sobre único imóvel de valor vultuoso

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Por: Gustavo Schneider Nunes*

No Brasil, o devedor responde pelas dívidas apenas com o seu patrimônio e, ainda assim, parte deste patrimônio é impenhorável nos termos da Lei nº 8.009/1990 e do Código de Processo Civil, sob o argumento de que há necessidade de se resguardar um patrimônio mínimo a fim de que o devedor possa viver com dignidade.

Por conta disso, o imóvel residencial familiar é impenhorável por qualquer tipo de dívida (art. 1º, caput, da Lei nº 8.009/1990), salvo nos seguintes casos, tratados no art. 3º da Lei nº 8.009/1990) quando a execução civil é movida: (i) pelo titular do crédito decorrente de financiamento para construção ou aquisição do imóvel, nos limites dos créditos e acréscimos previstos no contrato; (ii)  pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos do coproprietário que faça parte de relação conjugal ou de união estável, na forma da lei; (iii) para a cobrança de tributos devidos em função do imóvel familiar, como o IPTU, por exemplo; (iv) em razão de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pela entidade familiar; (v) por conta de bem adquirido com produto de crime ou quando se estiver diante de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; ou (vi) por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Entretanto, na esteira da relativização da impenhorabilidade de bens do devedor que vem sendo razoavelmente feita pelo STJ, inclusive em relação a vencimentos obtidos pelo devedor, o TJSP, no AI 2075933-13.2021.8.26.0000, proferiu interessante decisão para afastar a impenhorabilidade de imóvel de vultuoso valor  destinado à moradia (no caso, R$ 24.000.000,00), uma vez que as penhoras anteriormente realizadas sobre outros bens mostraram-se insuficientes para viabilizar a satisfação integral da obrigação.

Para tanto, o TJSP ressaltou a necessidade de se reservar ao devedor valor condizente com a sua condição social, para que possa adquirir outro imóvel e nele morar com dignidade. Essa reserva sobre o valor arrecadado com a venda do bem imóvel deve ser gravada com a cláusula de impenhorabilidade.

A decisão parece-nos de todo correta, pois a impenhorabilidade do bem de família, como destacado pelo advogado do credor em sua manifestação processual, não pode servir de escudo destinado a blindar o patrimônio do devedor, naquilo que vier a exceder o padrão médio de vida do brasileiro.

O intuito do legislador foi o de proteger a entidade familiar com o resguardo de um mínimo existencial voltado para a moradia digna e isso não pode ser desvirtuado.

Se assim não fosse, a manutenção da impenhorabilidade desta mansão luxuosa representaria um exemplo de total desproporcionalidade, contemplando, além disso, flagrante desigualdade, porque manteria ricos e pobres em posições assimétricas, na medida em que de um lado preservaria a impenhorabilidade de uma mansão de tal valor, e, e de outro, permitiria a penhora sobre um segundo imóvel do devedor pertencente à classe economicamente menos privilegiada, ainda que esse segundo imóvel seja baixo valor.

Portanto, deve-se conciliar a efetividade da tutela jurisdicional (satisfação da obrigação contida no título executivo) com a menor onerosidade do devedor (se existir mais de um meio de tais atos executórios serem praticados).

A isso a doutrina dá o nome de execução equilibrada.

* Gustavo Schneider Nunes é advogado, professor e doutorando em direito pela UNAERP.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.

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