Erga Omnes – O animal não humano é sujeito de direitos?

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Por: Gustavo Schneider Nunes*

A dignidade da pessoa humana é um fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III, da CF/88), sendo dotada, na perspectiva ambiental, de uma dimensão ecológico-inclusiva, que engloba a ideia de bem-estar ambiental, com a garantia de um patamar mínimo de qualidade ambiental, longe do qual as pessoas não teriam a sua dignidade preservada, o que guarda uma nítida relação com a condição de existência do ser humano, no presente e no futuro.

Trata-se, pois, a dignidade ambiental, de um fundamento lastreado na solidariedade, que fundamenta a sociedade presente e a sociedade do futuro, visando combater todas as possibilidades de riscos e retrocessos.

Tanto que é possível sustentar a existência de um Estado Socioambiental, que, sem abandonar as conquistas e as características do Estado Democrático de Direito, acrescenta-lhe uma dimensão ecológica, a fim de possibilitar a obtenção dos seus resultados almejados.

Na atualidade, tem se debatido sobre a necessidade de reconhecer-se a dignidade da vida para além da vida humana, de modo a considerar que outras formas de vida também sejam dotadas de um fim em si mesmo. Por conta disso, sendo consideradas como possuidoras de valor próprio e não meramente instrumental. Esse é um desdobramento do que, poeticamente, pode ser chamado de “o esverdear do Direito Constitucional”, segundo a melhor doutrina.

Em outras palavras: tem se debatido se o animal não humano pode ser sujeito de direitos, apesar de não raciocinarem e não falarem, mas, por outro lado, poderem expressar sofrimento.

Tradicionalmente, no Brasil, sempre se sustentou a tese de que o animal não humano é coisa, sendo, em razão disso, apenas objeto de direito, sem jamais poder integrar uma relação processual na qualidade de sujeito de direito.

A proteção aos animais sempre ocorreu de maneira reflexa, sendo expressivos dois julgamentos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal. Na Ação Direito de Inconstitucionalidade 1.856, a Lei nº 2.895/1998, do Estado do Rio de Janeiro, que permitia a denominada “briga de galo”, foi declarada inconstitucional. Mais recentemente, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.983, a Lei nº 15.299/2013, do Estado do Ceará, que regulamentava a prática da “vaquejada” como prática desportiva e cultural do Estado, também foi declarada inconstitucional – a despeito de posterior alteração normativa revertendo essa proibição.

De outro giro, a guarda e o direito à vista dos animais domésticos passaram a ser temas frequentes em ações de divórcio, demandando negociações complexas e/ou decisões judiciais sensíveis a tais questões, de modo semelhante ao que ocorre em relação à guarda e visita de filhos.

Entretanto, uma decisão da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, de setembro passado, reconheceu a capacidade de animais serem partes em processo judiciais, conferindo-lhe, nesse ponto, a mesma importância atribuída ao ser humano, uma vez que o seu sofrimento, físico ou mental, por si só, já é o suficiente para classificá-los como seres que carecem de proteção contra qualquer tipo de crueldade.

Diante disso, o certo é que a proteção dos animais deve existir de acordo com todas as disposições previstas na Constituição Federal, nos Tratados Internacionais e na legislação infraconstitucional, mas esse recente entendimento parece apontar uma mudança de paradigma que, talvez, esteja próxima de acontecer.

* Gustavo Schneider Nunes é advogado, professor e doutorando em direito pela UNAERP.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.

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