Artigo: Sobrevivendo à política da morte

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Por: Isabela Nascimento

Em 2018 era compreensível (ainda que indigesto) ouvirmos as pessoas depositando seu voto de confiança em Jair Bolsonaro. Tratava-se de um povo desiludido, desinformado, ludibriado, ou ainda um povo que, do alto de seu sadismo, acreditava que Bolsonaro era só garganta e não iria ser ofensivo na gestão do país.

Entretanto, após mil dias de seu governo, ou melhor, mil dias de política da morte, ver alguém tentando suavizar a atuação do presidente ou transformando-o na vítima de toda a situação, é duro de acreditar, de aceitar, de descer goela abaixo. E a goela, inclusive, sente é vontade de gritar. A goela, inclusive, que não tem mais alimento para ao estômago levar.  

Vemos nestas posturas um símbolo da podridão e do egoísmo humano, seres que negam ou se recusam a admitir o erro que cometeram. Erro que fez muitos comerem ossos. Erro esse que foi fatal para tantas pessoas. Para ser mais exata, fatal para 595 mil brasileiros, os quais se foram sem conseguir respirar, pedindo socorro em um hospital público, precisando de respiradores e de ar. Mas “óbito também é alta” para o governo e para a Prevent Senior.

Quando muitos utilizam a palavra “genocida” para se referir à Bolsonaro, há aqueles que acreditam não haver razão para tanto, afinal, “não foi bem assim”, foi “culpa dos governantes também”, “foi o vírus” e outras justificativas mais.

Talvez Bertold Brecht nos ajude a entender o que significa chamar Bolsonaro de genocida. O dramaturgo nos diz que: “Há muitas maneiras de matar uma pessoa. Cravando um punhal, tirando o pão, não tratando sua doença, condenando à miséria, fazendo trabalhar até arrebentar, impelindo ao suicídio, enviando para a guerra etc. Só a primeira é proibida por nosso Estado.”

Nessa perspectiva, acrescento aos dizeres de Brecht:  também se mata uma pessoa não comprando a vacina que a salva de um vírus mortal, autorizando políticas de despejo em plena pandemia, incentivando remédios ineficazes, provocando o alto preço dos alimentos, retirando o mísero auxílio emergencial dos mais pobres, entre outras ações.

Bolsonaro é genocida, direta e indiretamente, porque sua forma de ser e de conduzir o país produzem muitos tipos de morte. Só nos últimos dias:

Uma mulher morreu após ter mais de 90% do corpo queimado ao tentar cozinhar com álcool combustível. O motivo? A jovem, desempregada, passava por necessidades e estava sem dinheiro para comprar o gás. Deixou um filho pequeno e uma vida pela frente.

Na semana passada, três irmãos morreram devido a complicações da covid-19. Os irmãos se recusaram a tomar a vacina. O motivo? As narrativas negacionistas e antivacinas do presidente que eles recebiam em seus celulares e que alienaram por completo suas realidades, culminando em suas mortes.

Na capa da Revista “Extra” de hoje, pessoas recolhem restos de ossos para matar a dor da fome. Ossos que antes eram dados aos cachorros, hoje voltam a ser disputados pelas pessoas. O motivo? A miséria que volta a assolar o país, o nosso ministro da Economia incentiva que os restos de comida sejam dados aos pobres.

E nem vou citar aqui os infinitos casos de bolsonaristas que atiram em pessoas inocentes, espancam mulheres, agridem senhoras ambulantes, atacam balconistas que lhes pedem para usar a máscara ou matam seguranças negros que apenas faziam seu trabalho.

As sequelas da passagem de Bolsonaro pelo posto de maior poder de uma nação são enormes. Seu papel enquanto presidente da República era exatamente o contrário: curar feridas, promover a vida, a esperança, a geração de renda, a empregabilidade, a dignidade aos pobres, a fraternidade. Seu papel não era combater comunismo, o qual, inclusive, não existe e nunca existiu no país.

Ora, se um sujeito não cumpre a função para a qual foi designado, é normal que existam pessoas ao redor defendendo-o e jogando a culpa em terceiros? Estranho, né? Transfira essa situação para a presidência da República. Pois é. É loucura o que vivemos.

E é por isso que precisamos estar vivos, todos, para lutar contra a escuridão que ainda nos assombrará. Hoje lutamos para sobreviver à política da morte, amanhã lutaremos para viver verdadeiramente. Pouco a pouco, a política da vida florescerá no jardim em que, durante mil dias, só se cultivou a arma, a fome, a doença, o ódio. Nós merecemos mais.

*Isabela Nascimento é Professora de Redação e Espanhol, Bacharela em Letras e Mestra em Estudos Literários.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.

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