Artigo: Natal 1993

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Por: Paulo Cesar Cedran

A missa do galo tinha terminado por volta das 21h30. Estávamos muito felizes que os cantos do cd Missa Natal de Luz, com letra e música de José Acácio Santana tinham sido, perfeitamente, ensaiados pelo grupo coordenado pela Sônia Stinatti.

Foi mais de um mês de ensaio do grupo de canto na paróquia São Francisco de Paula, para que a missa da vigília de Natal, que celebra o nascimento de Jesus, deixasse em cada um de nós, em cada de um dos presentes, aquela inexplicável sensação de um tempo novo estava para chegar, que a humanidade que vivia nas trevas, vez por todas, seria redimida, porque Deus visitou seu povo e enviou, para junto de nós, Seu filho Jesus.

Com essa sensação que muitos atribuem ao espírito de Natal, após a missa, descemos pelas ruas centrais de nossa cidade, para encontrar amigos que já estavam antecipando os festejos de Natal. Essa era marca daquele grupo de canto de quando tínhamos vinte e poucos anos e entusiasmados, irradiávamos na comunhão do cantar, nosso serviço a Deus.

Saímos da matriz, situada na praça Dr. Carlos Pinto Alves, e na rua Bernardino de Carvalho iniciamos nossa caminhada pela avenida D. Pedro II, em seguida pegamos a avenida Sete de setembro e ficamos na rua Batista Barbieri, na recém inaugurada praça Vicente Cimatti , de fronte à praça Dr. Marcio Alves Natel, a primeira construída e a outra recém reformada pelo então prefeito Sidney Paulo Cimatti.

Ali pulsava o coração do centro de Dobrada. Neste pequeno percurso, descemos cantando as músicas da época, músicas de serestas que a Sra. Neider Scabello e a professora Nancy Nocitti nos ensinaram e, lógico, os cantos da missa que estavam na ponta da língua. O José Carlos e o Carmim no violão, a Lurdes, a Marli, a Iraci,  a Marinalva e a Isaura, eu, o Carlos e o Toninho.A esse grupo, se juntou mais gente na praça, sim.

Sem nenhum pudor, após os cumprimentos de feliz natal, descemos já cantando. A primeira parada, seria na casa da D. Neider, que estava em São Paulo; passamos devagar defronte à casa da D. Lilian Barbian Comar, que junto do Sr. Eugênio Comar, escutou a cantoria. No outro dia, na missa do dia de natal, ela iria agradecer.

Logo abaixo, na casa da família Turrici Mendonça, a grande família estava reunida, já um pouco recolhida, porque os mais idosos já necessitavam de um certo silêncio, e com respeito saudamos e fomos saudados.

Relutamos na casa abaixo, em parar na D Maria Rosa Morano Passerini, que estava acompanhada de sua irmã Carmela, vindo de São Paulo para passar o Natal. Mas não podíamos deixar de parar aí. Sempre animadas, eram também as incentivadoras das serestas e carnavais em Dobrada.

Começamos a cantar na janela e na porta bem próxima, elas já podiam estar dormindo. Mas que grata surpresa, a porta se abriu e, em prantos e risos, que se misturavam naquele momento, elas saíram para nos encontrar.

Foi difícil e não consegui conter as lágrimas. Fazia pouco mais de três meses que o Dr. Domingos Morano Neto, para nós o Nenê Morano, tinha nos deixado. A Maria Rosa, em particular, estava inconformada, um outro pedacinho, tinha morrido junto em um luto comparável ao de seu querido esposo – Olívio Passerini.

Aquele gesto foi a nossa maneira de dizer que elas podiam contar conosco, que estávamos ali para deixar um pouco da luz de Jesus, diante da escuridão do luto e da morte. Paramos na praça e ficamos certo tempo por aí.

O Toninho teve então a ideia de irmos pela rua Inácio Alvares, cumprimentar a tradicional família Scabello, a Cristina já estava na direção da escola agrupada de Dobrada, que no próximo ano receberia o nome de professora Adreana Comar. Ela também, no início daquele 1993, num trágico acidente provocado pela imprudência de outrem, nos deixou.

Com ela também perdemos o jovem Paulo Sergio Gasparini, seu namorado. Ele tinha sido meu aluno e ela amiga de infância, desde a nossa pré-escola em 1975. Acatando sugestão do Toninho, fomos na casa do senhor Frederico Scabello e da senhora Adelaide Leite Scabello, adentramos pelos fundos da mais tradicional farmácia da cidade, a farmácia Santa Terezinha, para cantar junto à família.

Durante o canto, o portão se abriu, e pouco a pouco, a maioria dos familiares estava lá no portão, ouvindo e cantando conosco. Quando íamos nos despedir, a Cristina e o Gilberto, o Marco e a Celina, praticamente nos intimaram a entrar, e partilhar da mesa da família, à espera da ceia de Natal.

Um pouco acanhados adentramos e cumprimentamos, em especial, o casal Frederico e Adelaide, bem idosos e debilitados pelos problemas de saúde, retribuíram com sorrisos e brilhos nos olhos que me marcam até hoje. Estavam a Tereza e seu esposo Renault, com suas filhas Adriana e Marcela, a Lurdinha e o Francisco Gimenez e os filhos; Paulo, Ana e Carlos, o Marco, a Celina e sua mãe, a Cristina, o Gilberto e os filhos: Rodrigo, Roberta e Rafael. Praticamente, a família toda estava aí.

Pela primeira vez, comi figo seco, vindo da Turquia, oferecido pelo Marco, que para ele, era o melhor, além de damasco, tâmara, passas, etc. A Celina nos fez provar sobremesa que seria servida na ceia. Comemos salgados de entrada que a Cristina e o Gilberto nos ofereceram. Bebemos e cantamos mais algumas músicas e pedimos licença para irmos embora. Eu passaria a ceia na casa de meu tio José Cedra, que minha prima Edna estava organizando. Na minha casa, meus pais e minha avó dormiam. Tudo estava em paz! Meu Deus, já se foram trinta anos.

Hoje o grupo de canto apequenou-se na igreja. Ao final, todos vão embora e mais nada. As casas do centro, pelas quais passávamos, ficaram mais vazias. Já se foram D Neider, D Nancy, D Lilian, D Carmela, minha avó e minha mãe, Marco, Adelaide, Renault, Tereza, o Carlos e, em pouco menos de um mês, a Lurdinha.

O que ficou? Quem ficou? Ficou a memória persistente que traz uma saudade tão profunda e cortante que faz do misto de alegria e tristeza, uma certeza de maturidade que somente adquirimos que reconhecemos e sentimos, o que significa a expressão brevidade da vida. Deixamos naquele 1993, bem como lutamos para deixar neste 2023, o espírito de Natal, nas casas que cantamos e na nossa vida que, insistentemente, buscamos em Jesus Menino, renovar.

Mas como demorou para eu compreender realmente, o que tão bem expressou Mario de Andrade no conto: O peru de Natal, quando diz; “Nós sempre fôramos familiarmente felizes, nesse sentido muito abstrato de felicidade…” Sim, abstratamente, hoje somos felizes? Em 1993, fomos concretamente, inocentemente felizes? Ou o passar do tempo nos ensinou  como no clássico natalino Boas Festas, do compositor Assis Valente: “Felicidade é brinquedo que não tem”.

Bom Natal!

*Paulo Cesar Cedran é Mestre em Sociologia, Doutor em Educação Escolar, Docente do Centro Universitário Moura Lacerda – Ribeirão Preto (SP).

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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