Artigo: Um olho no peixe, outro no gato

Compartilhe esta notícia:

Por: Rodrigo Segantini

O direito ao silêncio da pessoa que é investigada ou acusada por um suposto ato criminoso é previsto na Constituição. Qualquer um pode confirmar isso ao passar pelo art. 5º, da Lei Maior do país, onde se lê claramente o seguinte: “o preso será informado de seus direitos, dentre os quais o de permanecer calado”. E, neste mesmo sentido, o Código de Processo Penal, diz, no art. 186, que o juiz, antes de interrogar o acusado, deve lembra-lo do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas e que o silêncio não importa em confissão, nem pode ser interpretado em prejuízo da defesa.

Com base nisso, o presidente Jair Bolsonaro e seu séquito mais próximo está optando por se manter em silêncio sempre que são levados a depor em instâncias de investigação, como a CPI, a Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário. Sim, de fato, a lei garante o silêncio ao acusado. Mas a lei também diz, no art. 198, do Código de Processo Penal, que embora o silêncio do acusado não importe em confissão, poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.

Há três pontos muito interessantes que você, amigo leitor, deve levar em consideração sobre o que está acontecendo no picadeiro da República para que não caia em erro nesta comédia de enganos. Vou lhe ajudar a pôr reparo no que você precisa enxergar.

O primeiro ponto é que o silêncio é um direito do acusado, do investigado, do réu – e, em última instância, do preso. Mas não é da testemunha. Quem está lá para testemunhar, para colaborar com a investigação, não tem o direito de ficar em silêncio. Se fica em silêncio na fase de investigação, perante a autoridade policial, é porque não quer se autoincriminar – ou seja, ainda que o silêncio seja um direito e não importe em confissão, é sim algo que pode ser levado contra o sujeito opta por ficar calado, já que seu objetivo é evitar que o sujeito, na ânsia de se defender, acabe dando com a língua nos dentes e faça, sem querer, prova contra si mesmo. Tanto é que o silêncio poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.

O segundo ponto é que o presidente Jair Bolsonaro e seu séquito mais próximo não são conhecidos por sua discrição. Pelo contrário, são notórios falastrões, fanfarrões. Basta ver um celular na horizontal ou uma câmera para si apontada que se desembestam a papaguear verborragicamente. Além disso, eles também insistem o tempo todo de que não devem nada e por isso não temem nada – afinal, quem não deve não teme. E isso não é de hoje: para espanto de todas as pessoas sensatas, quando se esperava que calassem a boca porque o momento exigia sobriedade, nem mesmo a seriedade do assunto fazia com que ficassem mais comedidos. Os mais velhos devem se lembrar que por causa desta peculiar característica o então deputado federal Jair Bolsonaro era habituée em programas de humor ou de qualidade duvidosa, que exploravam a metralhadora destravada de sua língua para promover memes e cortes de entrevistas.

O terceiro ponto é que, enquanto um monte de gente está vibrando em razão da possibilidade de Jair Bolsonaro se dar mal, enquanto há um monte de gente está morrendo de raiva ou de medo de Jair Bolsonaro se dar mal, o governo Lula segue conversando com o Centrão, essa figura pantagruélica que devora tudo o que vê do orçamento público federal e que pretende se apossar da gestão governamental tal como uma jiboia que se enrola em sua vítima indefesa. O que vai acontecer com Bolsonaro, com sua esposa, seus filhos, seus assessores e auxiliares mais próximos é algo que realmente merece atenção. Mas não por isso devemos nos esquecer de nos mantermos atentos com o que o governo Lula está aprontando. Lembre-se que com uma mão o mágico distrai a plateia para fazer o truque com a outra.

Bolsonaro e sua família não estão sendo injustiçados. Estão pagando o preço por tudo o que fizeram – não na mesma medida ou como deveriam. Como presidente, sentado sobre a máquina, Jair não poderia ser alcançado e estendeu essa vantagem a todos os seus. Mas, uma vez tendo o rei sido apeado do trono, a fatura chegou a todos eles. As provas são fartas sobre seus desacertos e é isso que tenha causado pavor e desassossego no cortejo.

No entanto, a culpabilidade de Bolsonaro & Cia. não deve ser entendida como prova da candura e da probidade administrativa de Lula e seus correligionários. Como todo e qualquer governante e gestor público, Lula tem que ter seus atos acompanhados e fiscalizados. Não é porque Bolsonaro se deu mal que Lula recebeu um salvo-conduto para fazer o que bem entender. Enquanto você estiver prestando atenção em Bolsonaro merecidamente na berlinda, não perca Lula de vista criando ministérios e concedendo emendas para “convencer” congressistas a votarem em projetos de seu interesse.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

Compartilhe esta notícia: