Artigo: Um guia para torcer

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Por: Carlos Galuban Neto*

A vida do torcedor brasileiro é uma montanha russa de emoções. Dessa vez, não falo do Corinthians, – afinal, como previsto em coluna anterior, bastaram duas vitórias para que este colunista já passasse a sonhar com um duelo entre Luxemburgo e Guardiola no mundial de clubes – mas do tênis.

Na semana passada, o tenista Thiago Wild conseguiu o impensável: derrotou o russo Medvedev, 2º melhor do mundo, e chegou às oitavas de final de Roland Garros. Desde o tricampeonato de Gustavo Kuerten, vencido em 2001, um brasileiro não ia tão longe naquele que é um dos maiores e mais charmosos torneios do circuito internacional de tênis.

Notícia para comemorar, certo? Com certeza seria, não fosse por um detalhe: ainda durante a repercussão positiva da vitória, começaram a surgir prints de conversas do brasileiro com sua ex-namorada. Nas mensagens, ele não só ameaçava e abusava psicologicamente da moça, como também se orgulhava de ser um “machista opressor” e – pasmem – ter um tataravô que pertencia ao partido nazista.

Não parece ser coincidência, portanto, o fato de “wild” significar “selvagem” em inglês. O tenista brasileiro pode até ser muito bom com uma raquete nas mãos, mas coisas mais simples, como viver em sociedade, não estão entre seus maiores talentos.

Talvez seja uma das grandes dificuldades do mundo contemporâneo: atualmente, não basta torcer para o ídolo – seja ele músico, esportista, político ou ator – ter uma boa performance na atividade pela qual se tornou conhecido. Devemos torcer também para que ele não tenha cometido nenhuma bobagem na vida pessoal – se tiver, não demoraremos a descobrir.

Depois do caso de Thiago Wild, estou precavido. Agora, só comemoro a vitória de um esportista depois de ter feito uma verdadeira auditoria. Primeiro, jogo o nome do sujeito nos sites dos principais tribunais: há processos contra ele? Se sim, do que se tratam? Na sequência, coloco o CPF no sistema da Receita Federal: ele paga seus impostos em dia? Se já deixou de pagar, ao menos está em dia com os parcelamentos? Por fim, vou às redes sociais: tem curtida em post do Bolsonaro? Já compartilhou Felipe Neto ou Luisa Mell? Posta foto de prato que não serve sequer uma pessoa? Escreve textão de aniversário para os amigos? Emite opiniões rasas sobre arcabouço fiscal, taxa de juros ou outro tema complexo que der na telha? A minha devoção e torcida dependerão das respostas corretas às perguntas anteriores.

Enquanto escrevo, a tenista Bia Haddad joga as semifinais do mesmo Roland Garros, feito não atingido por uma brasileira desde a gigante Maria Esther Bueno em 1964. Torçamos para que ela vença a partida – e o campeonato, óbvio. Mas, principalmente, torçamos para que não surjam motivos para cancelá-la.

*Carlos Galuban Neto é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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