Artigo: Tomada do Planalto Central

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Por: Rodrigo Segantini*

Meu amigo Ariel Palácios, correspondente da Globonews para América Latina, aprecia um gênero literário incomum, chamado ucronia. Trata-se de um subgênero narrativo que faz referência a um período hipotético da história, similar ao que se pode pensar em linhas do tempo alternativas. Há várias obras que abordam esse tema de forma brilhante, como, por exemplo, “O Homem do Castelo Alto”, romance de Philip K. Dick, que retrata um cenário em que, em curtas linhas, a Alemanha Nazista venceu a II Guerra Mundial junto com o Japão, e “Complô contra a América”, escrito por Philip Roth, no qual Franklin Roosevelt teria sido derrotado nas eleições presidenciais de 1940 pelo aviador Charles Lindbergh, antissemita e admirador das pautas hitleristas.

Estive em janeiro em Buenos Aires e encontrei Ariel poucos dias depois do fatídico 08 de janeiro, quando algumas pessoas inconformadas com o resultado das eleições presidenciais deram a vitória ao presidente Lula, destruíram a Praça dos Três Poderes e os acervos palacianos. Como todos sabemos, aquela bagunça não passou de um rascunho de uma tentativa frustrada de algo parecido com um golpe de estado. Conversando com ele, dias depois passei a refletir o que aconteceria se as coisas tivessem tomado outro rumo em 08 de janeiro. Vejam só…

Em 08 de janeiro de 2022, dezenas de milhares de pessoas avançaram a pé rumo à Praça dos Três Poderes, em Brasília. Todas vestidas de verde ou de amarelo e empunhando bandeiras ou faixas com palavras de ordem. O policiamento que guardava o local vê a multidão avançando pacificamente, a passos lentos em marcha, e não sabe o que fazer. Como apenas vinham em bloco, sem balbúrdia, os policiais acharam que não havia como impedir seu avanço. Quando se aproximaram do Palácio do Planalto e ensaiaram acessá-lo, seus guardas vigilantes se prepararam para impedi-los. Contudo, do meio do povo, saiu Jair Bolsonaro.

O ex-presidente veio caminhando altivo. Ele parou em frente a guarnição que protegia o Palácio do Planalto e disse mais com o olhar do que com palavras: “Eu vou entrar e assumir a Presidência porque o povo assim o quer e nada que vocês façam poderá me impedir”. Os policiais não ofereceram resistência. Uma multidão entrou junto com Bolsonaro na sede do Poder Executivo federal. Jair sabia onde queria ir, conhecia o caminho, pois o havia percorrido quase todos os dias nos últimos anos: ele se dirigiu ao gabinete presidencial. A multidão, ordeiramente o acompanhava e foi ocupando pouco a pouco todo o Palácio do Planalto.

Dentro do gabinete presidencial no Palácio do Planalto, Bolsonaro se sentou na cadeira do Presidente da República, repousou suas duas mãos sobre sua mesa de trabalho, respirou fundo e, sacando uma caneta esferográfica, escreveu à mão em um papel timbrado com o brasão da República que encontrou a seu alcance algo que seria pouco além de um bilhete se não fosse seu conteúdo. Bolsonaro fez constar que estava assumindo a Presidência da República, estava instituindo um regime de exceção, fechando o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, dando ordem às Forças Armadas para fazer cumprir esse comando. Enquanto passava esse papel para alguém para que levasse sua ordem adiante ao grupo que a esperava para adotar as providências necessárias para dar um verniz de legitimidade ao golpe, Bolsonaro fez uma live em suas redes sociais para comunicar a seus seguidores e à população em geral a providência que tomou.

Em um gabinete cercado por centenas de populares que se comportavam como uma muralha viva de escudos humanos, Jair Bolsonaro tomou posse da Presidência da República. Obedecendo ao primeiro ato institucional da revolução bolsonarista, militares alinhados com sua ideologia tomaram o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal de Justiça com o apoio de populares. Tendo à frente pelotões policiais liderados pelo general Heleno, pelo general Braga Netto e pelo delegado Anderson Torres, os declarados inimigos do Estado, dentre eles o ministro Alexandre de Moraes e o (ex)presidente Lula, foram presos sob aplausos da multidão que os acompanhava.

Mas, voltando à realidade, não foi isso o que aconteceu. Todos sabemos o que houve: inspirados pelos impropérios disseminados por apoiadores de Bolsonaro e inflados pelo posicionamento omissivo ou comissivo do ex-presidente, uma multidão invadiu as sedes nacionais dos Poderes federais, destruiu patrimônio público inestimável e não soube o que fazer na sequência. Claramente, essa inoperância se deveu à ausência de uma liderança. Se houvesse alguém à frente que realmente fosse um líder respeitável e respeitado, que inspirasse confiança, o dia 08 de janeiro teria tido um final diferente. Mas, como cada vez fica mais claro, por quatro anos, faltou um líder à frente do povo brasileiro. Ainda bem que ele também esteve ausente naquele fatídico domingo.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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