Artigo: A sua liberdade termina onde começa a minha: sobre o 08/01/2023

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Por: Luciléia Aparecida Colombo

Um dos critérios mais caros à democracia é aceitar o resultado das eleições. Sendo assim, a partir deste critério, a oposição (ou os perdedores do pleito) é convidada a participar do jogo político, fiscalizando, cobrando ou realizando proposições para a consequente promoção de políticas públicas. A oposição tem um papel fundamental nos governos democráticos, como bem pontuou o cientista político Robert Dahl, quando escreveu a Poliarquia, em 1972. Não foi o que presenciamos, tristemente, ontem, em Brasília.

O dia 08/01/2023 ficará manchado na nossa história, como um dos episódios mais grotescos e violentos do nosso período democrático. O inconformismo com o resultado das urnas promoveu, em primeiro lugar, movimentos contestatórios desde outubro do ano passado, onde os apoiadores do Presidente Bolsonaro, se concentraram em frente aos quartéis, diuturnamente. Entretanto, ontem, ao avançarem para o Congresso Nacional, depredando, hostilizando, cerceando o direito de ir e vir de jornalistas e transeuntes, promoveram uma vergonha para o Brasil. Diversos jornais ao redor do mundo, como o tradicional The New York Times, disponibilizou um link, em tempo real, com as atualizações dos atos golpistas, atitude realizada por este jornal somente em situações classificadas como “alta gravidade”.

Nossa vergonha vai além: houve depredação de obras de arte, vidraças, aparelhos eletrônicos, danificação de documentos importantes, e até a agressão com pedaços de madeira contra um dos animais responsáveis pela condução da cavalaria da polícia militar, gravemente machucado. Para além dos valores inestimáveis, entre eles, a depredação de uma obra de Di Cavalcanti, uma obra de Portinari, um relógio de Dom João VI, do século XIX, móveis e presentes ofertados por outros países para a nossa nação, existe a vergonha de termos arranhado a nossa democracia, tão sofrida. Todos os direitos que hoje conhecemos e que estão dispostos no Texto Constitucional não nos foram magicamente concedidos, mas sim, duramente conquistados, a partir da luta de movimentos sociais e da morte de ativistas. Desde 1988 não presenciávamos cenas tão deprimentes e violentas.

Uma segunda vergonha está atrelada a uma paralisia da agenda governamental, em um dos momentos mais trágicos das políticas sociais: enquanto tínhamos o saqueamento do Congresso Nacional, 33 milhões de brasileiros continuam passando fome e sendo penalizados pela inércia da agenda, paralisada para agora resolver a baderna ocorrida ontem. A fome não espera e as pessoas precisam ser atendidas urgentemente.

Enquanto a polarização política estiver presente de forma violenta em nossa sociedade, paralelamente, a agenda das políticas públicas permanecerá paralisada. Erroneamente, o movimento que se apresenta como “patriotas”, precisa rever a própria denominação, pois pela própria etimologia: o patriotismo significa civismo, civilidade, nacionalismo, amor à Pátria. Quem depreda o patrimônio público e não aceita o resultado das urnas, certamente não pode ser denominado desta forma.

Por fim, uma terceira vergonha pelo 08/01/2023 está associada a uma vertente autoritária: afinal, atacar o Supremo Tribunal Federal, hostilizando as suas dependências e membros é demonstrar total aversão pelas nossas leis, pelo nosso pacto social, responsável pela condução da sociedade brasileira de forma ordeira e progressista, lemas constantes na bandeira brasileira, ostentada erroneamente pelos manifestantes, ontem.

Apaziguar os ânimos e retornar à nossa ordem social, evitando a anomia instalada, é a pauta mais urgente que deve ser empreendida pelo Presidente Lula. Enquanto isso, a sociedade civil deve fazer a lição de casa: aprender que a liberdade de cada um termina quando começa a do outro; as nossas instituições não pertencem a bolsonaristas ou lulistas, elas pertencem ao Brasil, que é magnânimo e superior aos grupos políticos que o compõe.

Se de tudo há uma lição, o desejo que fica é que o 08/01/2023 seja lembrado como uma vergonha nacional, um marco vexatório que deve ser duramente punido, com o rigor da lei, e socialmente rejeitado, para a manutenção de nossos elos mais caros de solidariedade e fraternidade. Para tal, é urgente que a educação política seja disciplina obrigatória em escolas e universidades; somente ela é capaz de lançar luz sobre o momento de trevas que atravessamos.

*Luciléia Aparecida Colombo é taquaritinguense e Professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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