Artigo: Afinal, estamos mesmo entre o bem e o mal?

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Por: Isabela Nascimento*

Uma das figuras de linguagem que mais me encantam chama-se antítese, a qual consiste em inserir palavras opostas no mesmo contexto, verso ou frase: dia/noite, claro/escuro, pobreza/riqueza, céu/terra, bem/mal. E no campo da poesia e da estilística são muito bem vindos os usos antitéticos, o problema é quando estes contrastes são tomados como verdades e levados a cabo em toda e qualquer situação. A mais grave situação em que a antítese “bem e mal” está sendo inserida é a política.

Não é de hoje que o pensamento metafísico dualista (compreender o bem e o mal de modo absoluto) toma conta da tomada de decisões, posturas e convicções do povo brasileiro. Sabemos que tal postura provém do pensamento religioso (judaico – cristão, principalmente): “Deus e o diabo” e todos os seus desdobramentos na terra do sol podem sim afetar a criticidade de muitos, no entanto, houve um significativo recrudescimento dessas ideias com o advento do bolsonarismo.

O fortalecimento dos discursos conservadores fez com que Deus, religião e política virassem uma coisa só. Vimos, inclusive, muitos políticos se promovendo exatamente a partir disso, quantos não foram os candidatos que utilizaram “Pastor”, “Irmã” e derivados antes de suas identificações na urna?

Assim, as crenças de bem e mal absolutos passaram a ditar as regras políticas incisivamente, e aqueles que usaram do discurso religioso – ainda que falsamente – acabaram por transformar-se em paladinos da moral, da decência e dos bons costumes, independendo da existência de fatos e provas que revelassem suas corrupções morais. Tornamo-nos uma sociedade que se baseia na narrativa e não na prática. 

Um exemplo: atualmente, partidos como PT, PSOL, esquerda e pautas progressistas são lidos como o “mal” da sociedade, enquanto “o bem” é vislumbrado no “Messias” e seus seguidores (eis a conotação religiosa), lidos como corretos, honestos, mártires e perdoáveis. E no que essas narrativas maniqueístas nos prejudicam?

De um lado: toda e qualquer menção a pensamentos que são opostos aos ideais bolsonaristas são logo rotulados como “mundanos”, “comunistas”, “esquerdistas” “doutrinadores” e “vagabundos”, ainda que sejam ideais vindos de trabalhadores, ativistas, políticos corretos e pessoas engajadas com a justiça social. Tais figuras sofrem, diariamente, as mais sórdidas acusações e ondas de fake News. Aqui se baseiam na acusação, no pré-conceito e na condenação infundada.

Do outro lado: ainda que Bolsonaro e seus aliados sejam nitidamente tudo aquilo que é dito para “o lado de lá” – corruptos, milicianos, charlatões e afins – seguem sendo creditados, defendidos e idolatrados por milhares de brasileiros. Há uma necessidade desesperada de distorcer a realidade a fim de que suas crenças mantenham-se intactas. Aqui se baseiam na absolvição e na condescendência, mesmo havendo provas do contrário.

Desse modo, temos um bem que não é bem, e um mal que não é mal. Isso faz parte da alienação coletiva a que estamos acometidos, mas, como eu já disse: para o campo político-social, não é nada saudável que tudo se converta em oito ou oitenta. Essa maneira simplista, ilusória e perigosa de ler o mundo pode fazer com que vivamos para sempre em conflitos limitantes.

Um exemplo local de tal maniqueísmo pode ser visto na discussão em torno da implantação da escola cívico-militar em Taquaritinga: reparem que a narrativa é construída para que não haja um meio termo, uma visão crítica sobre o todo, uma concessão à dúvida ou uma abertura para compreender como pensa o outro. Temos apenas a construção de dois posicionamentos: um lado que é todo feito de elogios e honrarias ao projeto, e o outro (oposto) que é colocado como o vândalo, o imoral, o que não quer o bem da cidade, quando, na realidade, o que existe é um grupo de pessoas que gostariam de maiores explicações e ponderações acerca da implantação.  Excluem, assim, a possibilidade dialética, a escuta dos porquês do pensamento diferente. O que há é apenas a consideração de que aquilo é bom e quem se opõe é ruim.

Cabe também mencionar atitudes relacionadas às manifestações pacíficas contra o governo federal ocorridas na cidade: mais uma vez forjam um “bem” x “mal”, “manifestantes do mal” versus “cidadãos de bem”, ora, não somos todos cidadãos em luta pelo bem? Mais uma discussão importantíssima sendo interpretada erroneamente.

Assuntos sérios e que colocam em jogo a alimentação, a educação, a dignidade e a existência dos brasileiros não podem ser pensados dessa maneira. Não se prive de abrir a mente, reaprender, reconsiderar conceitos e convicções. Não se prive de voltar atrás, se preciso for. Afinal, o mal existe, o bem também, o que precisamos é ter cautela e criticidade para enxergá-los onde, de fato, se manifestarem.

Ainda no campo do bem e do mal, finalizo com versos de Nelson Cavaquinho e Élcio Soares em “O juízo final”, quem sabe um dia: “O sol…há de brilhar mais uma vez e a luz há de chegar nos corações.”

*Isabela Nascimento é Professora de Redação e Espanhol, Bacharela em Letras e Mestra em Estudos Literários.

**Os artigos assinados não representam a opinião de O Defensor!

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