Artigo: Substantivos impróprios e a nossa crônica de cada dia

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Por: Prof. Sergio A. Sant’Anna*

Entre 1942 e 1945, o escritor Jorge Amado dedicou parte de seu tempo à crônica com uma seção que retratava os horrores da Segunda Grande Guerra. O escritor baiano insistiu na temática através de um olhar atento e observador. O esposo da escritora Zélia Gattai estava incomodado pelo medo, pela incerteza, pelas mortes, pelos brasileiros que foram e não retornaram. A insegurança era o substantivo do momento.

Passadas quase oito décadas, o nosso olhar atento, não tão perfeito como o do gênio da escrita citado acima se acende, mas um olhar atormentado pelo medo, insatisfeito com a gestão do País, com as mais de 470 mil mortes devido ao coronavírus. Somos apreensivos há quase dois anos, e os números só aumentam. Diferente de outros países do Globo.

As críticas insistidas ao Governo Federal não são infundadas, pelo contrário, são consistentes e repletas de elementos que tornam nossas crônicas de cada dia, um desabafo, um grito para aqueles, que como eu, optaram por confinar-se em casa, juntamente com minhas filhas, realizando apenas o essencial fora de casa. Há um ano e meio minhas filhas não veem fisicamente seus amigos, não saíram de casa para nada. Seus estudos continuam sendo realizados de maneira remota. Estão sim esgotadas, como todos os demais brasileiros; e nós também. Porém, é uma questão de preservação da nossa saúde e, também, a dos nossos semelhantes. Estamos diante de uma carnificina. De mortes em massa. Assistimos entes queridos internados, intubados e mortos, além de amigos, conhecidos, vizinhos. É doloroso. Elas estão assistindo a tudo isso. Crescerão e conviverão com essa mancha de sangue marcada em suas histórias. Não diferente das centenas de milhares de brasileiros, que foram impiedosamente atingidos por essa desgraça.

Não há para aqueles que convivam com o texto diariamente, principalmente para os que tem a crônica como gênero textual e instrumento de trabalho, qualquer outro assunto mais importante. O mar de tristezas sobre o qual navegamos insiste para que nos utilizemos das palavras escritas para clamarmos, acordar aos que se encontram acovardados, com medo, com vergonha por ter colocado tal Messias como salvador. Este deveria ser um momento de reflexão, e a crônica possui essa função. E o seu grau de informalidade eleva-a para todas esferas de nossa sociedade.

Podemos não estar nas ruas, lutando pelas vidas dos que nos restam, todavia a escrita, através das crônicas não será apagada. Será um instrumento-manifesto. Estaremos sempre ao lado dos desfavorecidos, da vida, do altruísmo, das minorias, mesmo que sejamos tratados com substantivos impróprios e de baixo calão. Isso são argumentos daqueles que execram o diálogo, contemplam o absurdo e continuam abonando esse péssimo governo.

*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor de Redação nas Redes Adventista e COC em SC e jornalista.

**Os artigos assinados não representam a opinião de O Defensor!

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