Artigo – Fahrenheit 451 e a taxação de livros: uma retropia

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Por: Prof. Sergio A. Sant’Anna

Um dos escritores brasileiros mais difundidos mundialmente e o mais adaptado ao cinema, o baiano Jorge Amado afirmou: “Eu continuo firmemente pensando em modificar o mundo e acho que a literatura tem uma grande importância”. Em 1946, como deputado federal, apresentou uma emenda constitucional que determinava a isenção de impostos sobre o papel usado para imprimir livros, revistas e jornais. Mais tarde, a isenção passou a valer para o livro como produto final e, de lá para cá, ganhou garantia tanto pela Constituição de 1988 quanto por uma lei de 2004. 

Em agosto do ano passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou a proposta de taxar os livros em 12%, inclusa na Reforma Tributária, sob a alegação de que os livros são coisa da elite. A Receita federal promete transformar esse desejo em realidade.  Num país em que o número de leitores é cada vez menor, e cada vez mais presenciamos livrarias e editoras sendo fechadas, o Governo apresenta suas garras e demonstra sua aversão à disseminação do conhecimento. As provas são claras e consistentes. A extinção do Ministério da Cultura é um dos inúmeros sinais da retropia desta gestão federal. Enquanto o prefeito de Montevidéu incluiu o livro na cesta básica, o Governo Federal conclama os seus bombeiros, como em “Fahrenheit 451”, para queimarem às obras. Há mais de vinte anos, o escritor e cartunista Ziraldo difundiu a ideia de que o livro deveria ser incluso na cesta básica brasileira – algo não acatado, também, por governos anteriores. Demonstrando assim o desprezo e a desvalorização da leitura no Brasil. É de se espantar, que Governos como o que está aí, disseminando inverdades, pululando pelas redes sociais, ganhe força ao bradar tamanha aberração e dizer que o pobre merece o livro didático. Se o livro é um artigo de luxo, essencial ao conhecimento, cabe ao Estado procurar mecanismo que facilitem sua aquisição por parte da população menos abastada, e dessa forma abra programas que intercedam pela difusão da leitura e ampliação do acesso a esse artigo de vital importância para o progresso de uma Nação.

Não é dessa forma que o Governo estimulará a formação de um País de leitores, pelo contrário, tornar-se-á as obras mais caras, repassando esse valor editorial às livrarias, gráficas e consequentemente ao consumidor. Em um País, cuja média anual de leituras por pessoa é de dois livros, é desejar sim o retrocesso, alimentando as inverdades proclamadas em livros didáticos selecionados pelo Ministério da Educação, cuja desvalorização da reflexão e do progresso são nítidos diante de suas propostas. Livros podem ser uma fonte de renda fenomenal para um país. Mas não é por meio da cobrança de impostos. As cifras que o governo obterá com a taxação de obras impressas em curto prazo são muito inferiores à riqueza que o Brasil poderia gerar em longo prazo se essas obras circulassem. É como matar a galinha dos ovos de ouro para fazer uma canja bem magra – em vez de manter o bichinho vivo e bem alimentado para que ele forneça o metal precioso por anos. Países desenvolvidos alicerçam suas economias em conhecimento, e não plantações de soja.

Logo, o livro não deveria ser pensado como um artigo de luxo ou como um privilégio de uma minoria mais rica, como afirmou o ministro Paulo Guedes ao dizer que quem compra livros hoje, poderia continuar os comprando mesmo com o aumento do preço – também deve ser indispensável para a população mais pobre.  Dificultar o acesso a livros é o caminho mais rápido para formar um Brasil pouco competitivo, incapaz de exportar produtos tecnológicos e culturais valiosos. Um país, em resumo, que depende do conhecimento alheio para sobreviver. Vivemos uma retropia, e não mais uma distopia como escreveu Ray Bradbury.

*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor de Redação nas Redes Adventista e COC em SC e jornalista.

**Os artigos assinados não representam a opinião de O Defensor!

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