Artigo: Girassóis

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Prof. Sergio A. Sant’Anna*

Fora avisada na semana passada. A guria do postinho, como costumava chamá-la carinhosamente, a Agente de Saúde, veio até à sua casa avisá-la que seria vacinada nesta semana. A alegria difundiu-se naquele lar. As filhas foram as primeiras a saber. Logo que fora notificada pela guria do postinho, Dona Hemengarda pegou o seu celularzinho e discou para uma das filhas:

– Cê, vou ser vacinada na próxima semana. Nunca pensei que aos 94 anos de idade ficaria tão feliz…

– Mãe, disse Alice, a senhora é uma guerreira. Faço questão de levá-la ao postinho na próxima semana. Já avisou minhas irmãs?

– Ainda não. Mas, vou avisá-las. O dedo correu às teclas e as filhas foram avisadas.

Finalmente, chegara o dia. Aquela semana de espera pareceu uma eternidade. Dona Hemengarda fez questão de colocar o melhor vestido, maquiar-se, banhar-se no melhor perfume. Lá fora, Cê buzinara. Pela janela Dona Hemengarda fez um sinal com as mãos para que a filha esperasse. Desceu às escadas, acendeu uma vela à Nossa Senhora Aparecida, pegou o seu rosário, como de costume, e rumou à porta. Atravessou o corredor que levava ao portão. Cumprimentou Seu Candinho, que do alto da janela da sala da casa vizinha, desde que a quarentena fora decretada, não mais abriu às portas de sua residência para visita. Naquela quadra que Dona Hemengarda morava, a maioria dos moradores eram idosos, muitos como ela, passaram dos 90 anos.

Quando retornara do Posto de Saúde, onde tomara a primeira dose da vacina, decidiram por contemplar uma plantação dos mais belos girassóis. O campo amarelo encantava Dona Hemengarda, que sempre passava por ali, porém nunca parara. As fotos no meio do vasto campo de girassóis ainda circulam pelas redes sociais.

Dona Hemengarda foi atropelada pelo carro da filha que estava estacionado numa ladeira, sem o acionar do freio de mão. A Senhora de 94 anos, que passou o ano de 2020 e o início de 2021 dentro de casa esperando pela vacina. Foi velada na tarde de ontem, durante 45 minutos, sem aglomerações, respeitando os protocolos de combate à covid-19. Pétalas de girassóis foram lançadas ao túmulo. Amarelo era a cor preferida de Dona Hemengarda; o girassol, a flor.

*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor de Redação nas Redes Adventista e COC em SC e jornalista.

**Os artigos assinados não representam a opinião de O Defensor!

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