Pai: um livro

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Por: Prof. Sergio A. Sant’Anna*

Ainda permanece sobre a minha mente o barulho recorrente das teclas das Olivettis, o cheiro forte de fumaça perambulando pelo ar, um acumulado de papéis, estes possuíam um cheiro que até hoje me agrada; mesas distantes umas das outras, porém aquele aglomerado de homens e poucas mulheres falando de assuntos que um dia compreenderia, aquilo tudo me fascinava. Quando não estava na redação do jornal com o meu pai, ficava em casa esperando pelas HQs (Histórias em Quadrinhos), publicadas ao final da edição, ou pelos gibis que me comprava. Todos os sábados passávamos pela banca do Ademir na Rua Prudente Morais para ali desfilar pelas estantes com livros, revistas e jornais. Deliciava-me. A equipe do “Diário de Notícias”, que trazem à tona o tempo psicológico, era composta de um tiomaço de jornalistas: José Hamilton Ribeiro era o Editor, ficava impressionado quando o meu pai dizia que o Zé Hamilton esteve cobrindo a Guerra do Vietnã; o Galeno Amorim, que até hoje acompanho e por diversas vezes temos trocado muitas ideias; Heraldo Pereira, hoje na Globonews, Francisco Luciano Lepera, deputado estadual, entre outros.

A leitura sempre foi incentivada pelo meu pai, que como um leitor voraz, sempre fez questão que lêssemos. Além da leitura, o debate sempre foi o nosso momento de diálogo. Discutíamos sobre tudo, amparados nas teorias que adquiríamos, e a história sempre fez parte dos seus ensinamentos. Não só a história documentada, também aquela que ele vivera. Esta era fabulosa. Ditadura Militar, passeatas, Diretas Já etc. Viajávamos como se estivéssemos diante das páginas de um compêndio. Desse amor que o meu pai nos passou pela leitura, além do estímulo ao ato de escrever, surgiu a necessidade de compartilhar o conhecimento, gostava mais dos palcos, e acabei optando pela sala de aula, minha paixão, porém a escrita flui e quando penso no nosso patriarca datilografando aquelas máquinas exuberantes e o cheiro do papel viajando pelo ar, confesso que começo a escrever. Mesmo que não tenha assunto. Rabisco.

Seus textos sempre foram uma inspiração, principalmente suas crônicas. Ele era um admirador do Rubem Braga, o maior cronista da Literatura Nacional; Paulo Mendes Campos, Raquel de Queiróz, Mário Prata, Armando Nogueira, Zuenir Ventura e Paulo Francis compunham o seu time de exímios cronistas, uma plêiade. A poesia fizera parte de sua vida estudantil, e ali o Simbolismo estivera como movimento maior de suas andanças pelas Escolas Literárias. Cruz e Sousa era contemplado, além de todos aqueles intelectuais que lutaram arduamente pela abolição da escravatura. Porém, era Alphonsus Guimaraens que ele admirava. Gostava de declamar “Ismália”. “…subiu ao céu, desceu ao mar…” eram os versos prediletos. Cantava Vinícius, adorava Chico; Caetano, Gil, Gal e Bethânia ele curtiu, todavia confessava que Tom Zé e Os Mutantes eram melhores. Rita Lee um ícone. Moraes Moreira e Novos baianos, uma paixão.

Não foi apenas desse cenário que meu pai se alimentou e nos passou esse amor, Taquaritinga e seus munícipes eram retratados por ele em suas páginas semanais; pessoas que eram vistas, conhecidas e que mereciam um lugar em nossos periódicos. Alguns chamavam-no de fofoqueiro, talvez ele gostasse de ver o “homem morder o cachorro”, algo que chamasse a atenção. Assim como faz José Simão, uma inspiração. A crônica forneceu a ele o lirismo de Braga, e a informalidade da Literatura Marginal. Chacal a estrela maior. Das páginas do Pasquim a crítica ácida e irônica. O cidadão taquaritinguense desfilava pelo fiar de seu texto. Dos bares da vida, as observações, os diálogos, a inspiração para a produção. Era mesmo um cronista como escreveu o excelente jornalista Newton Morselli. Um olheiro, observador do seu entorno. Um ser humano acostumado a contemplar a beleza, a usufruir dos hábitos simples, a relacionar-se com qualquer ser humano.

Da sua paciência, minha doce lembrança; do seu olhar contemplativo, minha admiração; da sua canhotice, minha exaltação; do seu doce coração, a eterna lembrança. Nada apagará o amor, que sinto por ti. Um paradigma, que muito me inspira, uma trajetória a ser lida e estudada. Sua vida, sua escrita – um livro. Obrigado, meu Pai!

*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor da Rede Adventista em Santa Catarina; Corretor de Textos em “Redação sem Medo”.

*Os artigos assinados não representam necessariamente a opinião de O Defensor!

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