Crônica: Estuprador ou jogador – eufemismo para crimes grotescos

Compartilhe esta notícia:

Por: Sérgio Sant’Anna*

Os vocábulos acima expostos tratam de dois substantivos, que para o leitor atento aos noticiários, e dotado de um mínimo de humanidade, diria que não há dúvidas na escolha do substantivo estuprador, todavia há aqueles que insistem na defesa dos dois ex-jogadores acusados e condenados pelo crime de estupro.

Cheguei e o relógio marcava quase 19h, conectei na Band (antiga TV Bandeirantes, bons tempos em que o Esporte era o carro chefe da emissora, porém aprecio muito o jornalismo difundido pelo canal de comunicação), ainda era o José Luiz Datena quem comandava o diário jornalístico. Confesso não gostar do tipo de programa realizado pelo jornalista ribeirãopretano, porém fiquei a esperar alguns minutos para me atentar ao “Jornal da Band”. Datena falava da condenação do ex-jogador de futebol Robinho e o cumprimento da pena pelo crime de estupro, cometido na Itália há dez anos, aqui no Brasil. A qualquer momento o amigo do jogador Neymar seria preso (disseram-me que o ex-jogador Daniel Alves, também julgado e condenado pelo crime de estupro na Espanha, seria mais amigo do craque Ney do que o campeão brasileiro pelo time da Vila Belmiro em 2002). Câmeras na cobertura onde o ex-jogador residia, repórteres atentos para a chegada da Polícia Civil de Santos e inúmeros curiosos…

Um dos repórteres escalados pelo jornalista Datena interrogava várias pessoas e inúmeras afirmavam que Robinho não é um estuprador, o âncora não acreditava no que está ouvindo, contudo é a realidade. Uma realidade que nos últimos anos possibilitou o crescimento de casos de feminicídio, de estupros, assédios sexuais espalhados pelo Brasil. Números que deveriam nos envergonhar, situação que só comprova o quanto somos vítimas do machismo estrutural, de uma sociedade que tem a mulher simplesmente como um objeto. Enquanto o ex-jogador Robinho, agora estuprador, porque foi condenado e terá que cumprir sua pena em regime fechado, arrumava sua mala de maneira paciente, despedia-se de sua família, centenas de pessoas aguardavam sua passagem no entorno do prédio onde residia para dar o último adeus…Quanta hipocrisia! E em função deste “passar pano”, do relativismo dos brasileiros em relação aos problemas graves que muitos consideram corriqueiros é que nos tornamos aliciadores deste comportamento horrendo. “Ao pobre a Justiça; ao rico, os amigos…”, ainda mais se estes possuem dinheiro para pagarem fianças milionárias. Não há outro sintagma nominal a dar a Robinho e, também, Daniel Alves, que não seja “estupradores”. Suavizar a situação com o eufemismo ex-jogador é eliminar vocábulos com criminosos que se escondem em suas vestes do passado.

Assim como Robinho, Daniel Alves aguarda a liberdade após ser condenado pelo estupro cometido na Espanha. Uma situação sem cabimento quando paramos e pensamos nas vítimas. Mulheres atacadas, expostas, violentadas. Do outro lado homens, donos de carreiras gloriosas, títulos internacionais conquistados, capazes de cometerem os mais cruéis crimes. É lógico que com o estuprador Daniel Alves solto, a sociedade, especificamente a brasileira, não se cansará de endeusá-lo e execrar a vítima, pois é isso que nossa sociedade faz há séculos. Gente dominada pelo fel que os igualam a esses criminosos.

Usar o eufemismo jogador ou mesmo ex-jogador para esses dois estupradores é relativizar tal conduta e inibir o combate a este crime hediondo. É julgar a mulher como culpada quando o estupro acontece. Estupradores devem ser condenados e pagarem suas penas em regime fechado, independente do seu passado. Portanto, não são mais jogadores, são sim estupradores.

*Sérgio Sant’Anna é Professor de Redação no Poliedro, Professor de Literatura no Colégio Adventista e Professor de Língua Portuguesa no Anglo.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

Compartilhe esta notícia: