Artigo: Caio Lola

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Por: Luís Bassoli*

O ano era 1986, a turma do 2.º Colegial diurno do Colégio Dr. Aimone Salerno.

Não sabemos quem nem como, descobriu-se que havia um programa de incentivo ao turismo do governo de Minas Gerais, que concedia, gratuitamente, estada a estudantes para visitar Belo Horizonte.

Pedi permissão ao meu pai, Dr. Bassoli, diretor da Escola, pra organizarmos; recebido o OK, buscamos ajuda do professor-gestor Jorge Palladini.

Um único telefonema à secretaria de Turismo mineira e “tudo certo”: seríamos abrigados num alojamento, sob as arquibancadas do Estádio Mineirão, de graça!

Beleza. Contratamos o ônibus e marcamos pra sair, da frente do Colégio, à meia-noite.

Às 10h da noite, a garotada, do 1.º e do 2.º Colegial, já estávamos na Escola, quando minha colega Fabiana Nachbal, prudentemente, me questionou: – Tá tudo certo com o pessoal de Minas?  – Acho que tá!, respondi, e devolvi a pergunta: – Não era você que ficou de confirmar? E ela: – Achei que era você.

Bom, ninguém confirmou nada! Lá fora, o ônibus estacionado, a rapaziada ajeitando as malas, os pais dando os conselhos…

E agora? Fabiana e eu chamamos o Jorge Palladini de canto e avisamos que poderia estar havendo um probleminha. O professor foi acolhedor: – Se virem!

Fabiana e eu começamos a epopéia via Embratel: discamos pro auxílio-à-lista, conseguimos o telefone da portaria do Estádio e ligamos insistentemente, à espera dum milagre.

Os anjos contribuíram: o porteiro atendeu, nos ouviu atentamente, se sensibilizou e, com a paciência peculiar do povo de Minas, sentenciou: – Verifiquei aqui, não tem nada agendado não, mas venham que a gente dá um jeito, uia!

– E aí, tava confirmado?, pergunta o Palladini. – Claaaro!, respondemos.

Meu pai havia escalado, pra “cuidar” da molecada, o Inspetor Isidoro Avi e o professor Caio Lola!

Caio, uns seis ou sete anos mais velho que a gente, era daqueles amigos-mais-velhos, aos quais nutrimos certa admiração: um cara legal, excelente jogador de vôlei, da Turma do Xangrilá, moçada “descolada” e tals, namorava a bela Júlia – não me lembro do Caio sem a Júlia ou da Júlia sem o Caio.

O ônibus saiu na hora marcada. A turma do fundão, Cecéu, Gineba, Valentim, Pérsico, Niba, Renatão, Café, Térbio, Zé Paul, Márcio, eu, começamos um sambinha, um pequeno atabaque, pandeiro, chocalho e Adoniran Barbosa: “Quais quais quais, faz carim dundum, faz carim dundum…”.

Do meio pra frente, as meninas do 2.º Colegial, os meninos mais, digamos, comportados, Cássio e Marcelino, e o pessoal do 1.º Colegial; nas primeiras poltronas, os responsáveis Caio, Jorge, Isidoro – e meu tio Tadinho Sobral, professor do noturno, que deixou claro que nem ousaria tentar “controlar/cuidar” do bando de adolescentes, sua missão era resolver eventuais problemas.

Uma hora de desafinado batuque, o Caio Lola intervém, vai até o fundão e, educadamente, nos chama à razão: – Pessoal, a viagem será longa, tá de madrugada, vamos tentar descansar e dormir um pouco, pode ser?

– Opa, claro, você tá certo, podexá!, respondemos.

– Valeu, moçada, obrigado pela compreensão!, disse um orgulhoso Caio, cumpridor de seu dever.

Qual o quê. O silêncio durou 5 minutos e recomeça, baixinho: “De tanto levá, frechada do seu olhar…”.

O Caio volta: – Ô pessoal, vamos respeitar os colegas que querem dormir!

– Ok, ok, desculpa, vamos parar.

– Beleza, por mim não teria problema, mas as pessoas querem descansar, responde o Caio, certo de que convencera o fundão.

Três minutos depois: “Se o senhor não tá lembrado, dá licença d’eu contá, aqui donde agora está, esse adifício arto…”.

Vejo, com clareza, o Caio vindo pelo corredor, balançando aqueles braços longos, para na nossa frente, passa a mão o rosto: – Desisto! E volta à poltrona ao som de: “Só se conformemo quando o Joca falô, Deus dá o frio conforme o cobertor…”.

Chegamos pela manhã a BH, uma breve negociação na portaria do Mineirão e tudo resolvido, à moda mineira.

Fomos acomodados em dois enormes alojamentos, cheios de beliches, meninas num, meninos noutro, incluindo o Caio.

Um fim de semana com visitas às cidades históricas e aos pontos turísticos da capital.

Nos arredores do Mineirão, uma churrascaria, com som ao vivo, um trio, baixo, bateria e guitarra (na época, pra nós adolescentes, três senhores “idosos”). Já na primeira noite, criamos amizade e subimos ao palco.

Na turma, tínhamos a Ana Maria Salvagni, cantora talentosa, hoje musicista profissional; e o Céceu, que cantava… E nós outros.

Empolgados, Silvinha, Roseli e eu fizemos o coro (segunda voz) de um sucesso da banda Dr. Silvana e Cia: “Eu fui dar, mamãe, foi dar mamãe, fui dar um serão extra trabalhei com o patrão…”.

Do palco, via o Caio Lola acenando os longos braços, achei que tava curtindo nossa performance. Ao fim da música, fui ao encontro dele pra me certificar da brilhante apresentação. E ele: – Tentei avisar que o microfone de vocês estava desligado!

Ana Maria e Cecéu fizeram um inesquecível dueto, que certamente seria aprovado por Gal Costa e Tim Maia: “Faz de conta que ainda é cedo, tudo vai ficar por conta da emoção”.

Na última noite, subimos, quase todos, ao palco, o Caio junto, pra render nossa homenagem ao conjunto musical: “Óh, Minas Gerais, quem te conhece não esquece jamais”. E fomos retribuídos por eles com: “E-eh, São Paulo, São Paulo da garoa, São Paulo é terra boa”.

Caio cumpriu seu dever, a viagem transcorreu sem nenhum incidente: cuidou dos adolescentes, sendo, ao mesmo tempo, um de nós!

Grande Caio Lola, meu amigo!

* Luís Bassoli é advogado e ex-presidente da Câmara Municipal de Taquaritinga (SP).

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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