Artigo: Esperando Godot

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Por: Rodrigo Segantini*

Um dos clássicos da dramaturgia universal é “Esperando Godot”, peça escrita pelo escritor irlandês Samuel Beckett, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura pela solidez de sua obra. No enredo da trama em análise, são apresentados dois personagens que passam todo o tempo da apresentação à espera de um terceiro, cognominado Godot. Em nenhum momento é explicado porque estão aguardando sua chegada, nem a razão de ainda nem ter chegado, sequer de quem se trata. O desenrolar da estória gira em torno unicamente desta espera, da ansiedade e da frustração desta espera. No final, Godot não chega e a apresentação acaba sem deixar nada claro a respeito de coisa alguma – o que é frustrante, mas, ao mesmo tempo, instigante.

Assim está a população de Taquaritinga, à espera de Godot, que nunca chega. O povo tem reclamado por alguém que o acuda, mas ninguém o ouve. E, assim como os personagens da peça de Beckett, que, estáticos, ficam inertes à espera de Godot, as pessoas ficam à espera de qualquer um que possa lhes livrar da miséria em que se encontram porque, uma vez que a Prefeitura não tem honrado com suas obrigações financeiras com fornecedores e com funcionários públicos, colocou todo mundo em situação de mendicância.

Desde o começo do ano, o povo lamurioso e choroso espera pelo Ministério Público, pelo Poder Judiciário, pelo Tribunal de Contas, pelos vereadores, por uma intervenção do Governo do Estado, por qualquer um que se dispusesse a colocar as contas municipais em ordem. Pediram ajuda para todos que puderam, em todas as ocasiões que puderam. Mas ninguém os ouviu. E o povo então decidiu esperar pela chegada de alguém que pudesse tomar as providências que esperava. Mas quem tomaria qualquer providência se ninguém os está ouvindo? E por isso o povo seguia esperando, enquanto a situação só piorava.

Até que o Ministério Público, heroicamente, decidiu fazer alguma coisa, depois de tanto ser provocado pelos reclamos populares. Produziu uma robusta peça informativa e remeteu à Câmara de Vereadores, a quem caberia a apuração dos fatos que podem caracterizar infrações político-administrativa a fim de, se for o caso, levar a cabo o julgamento do gestor público responsável. Um facho de esperança pareceu cruzar os céus do famigerado povo de Taquaritinga, que acreditou que isso resolveria os problemas da cidade.

Claro que não, claro que não! A denúncia do Ministério Público à Câmara de Vereadores jamais resolveria o problema do povo da cidade porque o problema do povo da cidade é a falta de dinheiro em seus bolsos. Mas as pessoas, cheias de esperança de que o melhor estava por vir, resolveu esperar. Mas, assim como houve com os personagens da peça de Beckett, a espera do povo por dias melhores foi tão inútil quanto esperar por Godot, que nunca chegou.

Isso porque, sem nenhuma cerimônia, a Câmara de Vereadores resolveu ignorar tudo o que o Ministério Público produziu e lhe remeteu para, apegando-se a uma formalidade técnica que a seu ver era fundamental para o seguimento do feito, arquivar a peça de denúncia. Diz a comissão que analisou o caso que o fato de a propositura ter sido feita pelo Ministério Público e não por um cidadão descredenciaria tudo o que foi submetido a seu crivo. Ou seja, simplificando, a dona Patrícia Gasparini, cidadã, poderia apresentar a denúncia; mas a doutora Patrícia Gasparini, promotora de justiça, representando o Ministério Público, não. Nem discuto se é o entendimento correto de avaliar a situação, porque isso não cabe a mim, nem é um artigo de jornal o espaço adequado para isso. Mas o que mais me chama a atenção é o silêncio dos vereadores.

Ora essa, se o problema da representação é que faltava um cidadão que propusesse a denúncia, fico espantado de ver que não houve um representante eleito do povo de Taquaritinga que se dispusesse a se levantar e se propor a aproveitar tudo o que foi juntado na peça de informação prestes a ser jogada no lixo para subscrevê-la e assim dar a legitimidade que faltava à notícia. Se tal conteúdo não poderia ser apreciado porque não era subscrito por um cidadão, parece-me que só no plenário da Edilidade havia mais de uma dúzia que poderia subscrevê-lo para atender a este requisito. Mas ninguém se levantou para tanto. Preferiram o silêncio. O mesmo silêncio das carteiras dos servidores públicos e dos aposentados e dos caixas e cofres de fornecedores e entidades da cidade.

Assim como os personagens de Beckett esperavam por Godot inutilmente, o povo de Taquaritinga esperou uma atitude que nunca veio de seus representantes eleitos. Infelizmente, a história de nossa gente está virando uma peça de teatro – talvez uma tragédia, talvez uma comédia…. O que nos resta é, tal como Godot, esperarmos pelo final feliz – o qual, tal como Godot, parece que nunca chegará.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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