Artigo: Obrigado, Xandão

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Por: Carlos Galuban Neto*

Não gosto de Deltan Dallagnol. Tanto ele quanto Sergio Moro contribuíram, com uma série de atitudes ao arrepio da lei – da qual a ascensão do ex-juiz a Ministro da Justiça de Bolsonaro foi o auge – para desmoralizar o combate à corrupção no país. Graças à dupla, falar do tema equivale hoje a passar vergonha na frente de quartel pedindo intervenção militar.

Veja, não estou a defender a inocência dos condenados na Lava Jato. Caso o leitor tenha alguma dúvida dos malfeitos cometidos na Petrobras e em outras estatais, recomendo fortemente a leitura de “A organização: a Odebrecht e o esquema de corrupção que chocou o mundo”, da brilhante Malu Gaspar, que, anos antes, já havia nos presenteado com outra obra-prima do jornalismo investigativo, “Eike – Tudo ou Nada”.

Acontece que a justiça, especialmente quando se trata de mandar prender ou soltar, não deve apenas ser, mas também parecer imparcial. E aqui a turma da Lava Jato, lideradas por Dallagnol no Ministério Público e por Sergio Moro na magistratura, foi mal demais: forçou a barra para atrair processos para Curitiba, promotores e juízes combinaram diligências probatórias, exagerou nas delações premiadas e nas prisões preventivas, enfim, diversas medidas de dar orgulho à Santa Inquisição.

Faço toda essa introdução para declarar que sou terminantemente contrário à cassação de Dallagnol sem ser acusado de defensor ou apoiador do agora ex-deputado, o que, confesso, consideraria mais vergonhoso do que ser apontado como líder de esquemas de corrupção da Lava Jato.

Admito que, ao ouvir sobre a cassação, uma parte nem tão insignificante do meu íntimo, aquela que adora ver o circo da História pegar fogo, achou a medida engraçada. Afinal, Dallagnol sendo vítima de decisão arbitrária da justiça é uma excelente representação da célebre frase “o homem planeja e Deus ri. Quando ouvi defensores do ex-deputado dizendo que era absurdo a justiça cassar um sujeito eleito por milhões de pessoas, então, a ironia da situação ficou completa.

Passadas as primeiras e espontâneas reações, contudo, comecei a refletir sobre a decisão do TSE. Os ministros da Corte fundamentaram a cassação em dispositivo da Lei Ficha Limpa que torna inelegível o membro do Ministério Público que houver pedido exoneração do cargo durante a tramitação de processo administrativo disciplinar. A legislação parece bem clara, não?

O problema é que, ao deixar o Ministério Público, Dallagnol não possuía contra si qualquer processo administrativo, mas tão somente sindicâncias, procedimentos de apuração de irregularidades que podem ou não se tornar processos administrativos. É parecido com condenar à cadeia alguém que tenha sido mencionado em depoimentos ou delações durante a fase de instrução penal. O sujeito poderá vir a ser declarado culpado? Claro que sim, mas não sem antes passar pelo devido processo legal.

No governo Lula, não foram poucos os que celebraram a cassação. Até compreendo o ressentimento em relação à turma da Lava Jato, mas essa era a chance de demonstrar que o respeito pelo Estado Democrático de Direito é sincero, e não apenas um termo bonito para expressar indignação seletiva no Twitter quando um amiguinho é vítima de medidas arbitrárias da justiça.

Nunca perdoarei Alexandre de Moraes por me obrigar a escrever um texto em defesa de Deltan Dallagnol.

*Carlos Galuban Neto é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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