Artigo: Chega de Otimismo

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Por: Rodrigo Segantini*

Um dos meus pensadores favoritos é Voltaire. Sujeito genial, o cara se tornou milionário aproveitando-se de uma brecha no sistema: ele descobriu um jeito de sempre ganhar na loteria. Descoberto o esquema, o método que ele desenvolveu não funciona mais, mas a história por trás disso é interessante e vale a pena ser lembrada.

Em 1720, o governo da França resolveu criar uma loteria para poder arrecadar uma grana a mais. Para isso criou algo parecido com um clube em que só os sócios poderiam fazer as apostas nos jogos lançados. Só que, embora cada cota pudesse ter um valor, o fato é que cada sócio concorria com apenas um número e o valor da aposta era um milésimo do valor da cota. Assim, Voltaire se utilizou de um ardil: foi atrás dos pequenos cotistas e comprou deles seus bilhetes. Assim, ele ficou com quase todos os números que poderiam ser sorteados, de modo que a chance de ganhar era razoavelmente alta.

Semana após semana, Voltaire foi ganhando prêmios na loteria. Quando as autoridades notaram a brecha, mudaram as regras. Mas estima-se que a essa altura Voltaire já havia acumulado uma fortuna enorme. O governo francês até o acusou de agir ilegalmente, mas a Justiça declarou que ele não havia violado nenhuma regra, mas sim que a loteria é que havia sido mal concebida. Foi desta forma que Voltaire pôde viver o resto de sua vida sem se preocupar com dinheiro. Sua única preocupação era ler e escrever – o que, aliás, ele fez incrivelmente bem!

Uma de suas obras mais conhecidas é “Cândido ou O Otimismo”. Nele, é contada a história de um rapaz chamado Cândido, que é amigo de um professor, chamado Pangloss. O texto de Voltaire conta todas as desventuras do moço, que, ao longo do enredo, passa por maus bocados, dando a entender que tudo dá errado em sua vida. No entanto, Pangloss, um otimista inveterado, sempre procurando ver o lado bom da coisa, segue fazendo seu amigo ver o que tem passado positivamente, mesmo quando isso parece absurdamente difícil ou até impossível.

Taquaritinga é um lugar encantador. Tenho um espaço muito especial em meu coração por essa terra e sua gente. Tudo o que passei por aqui marcou profundamente minha história a ponto de muitas pessoas pensarem que sou nascido e criado na cidade. Porém, minha admiração e meu amor por Taquaritinga não tampa meus olhos. Ainda consigo ver os problemas que estamos passando há algum tempo e que vem sendo agravado ano após ano, eventualmente por alguns erros que acontecem por escolhas equivocadas da administração municipal que não podem ser atribuídos exclusivamente a um ou outro gestor ou servidor público.

Há um momento no livro em que o professor, para convencer seu aluno de que as coisas não poderiam estar melhores, diz que se Cândido não tivesse sido expulso de casa, preso pela polícia, condenado pela Justiça, fugido de assassinos, perdido todo seu patrimônio e tido que recomeçar sua vida, não poderia estar naquele momento comendo um maravilhoso doce de cidra e pistache. O rapaz concorda, mas conclui seu pensamento com uma advertência: “tudo isso está muito bem dito, mas é preciso cultivar nosso jardim”. Alguém que se esforça para não enxergar os problemas pelos quais nossa cidade passa parece o Cândido de Voltaire ou mesmo o otimista Pangloss. Não adianta dizer que ama Taquaritinga e que está cuidando da cidade quando, na verdade, a situação está cada vez pior e não há expectativa de melhoras em curto e médio prazo.

Sejamos racionais por um instante. Taquaritinga é uma cidade vocacionada aos agronegócios, temos uma produção agrícola de base relevante. Estamos em um entroncamento viário muito importante, que favorece a logística, e nos liga aos principais centros econômicos do estado, quiçá do país. Você não acha estranho que uma cidade que já foi a capital do tomate, a capital da goiaba, que é uma das maiores produtoras de frutas cítricas do país não ostente essa prosperidade atualmente? Você não acha esquisito que as principais conquistas da cidade, como o Cine Teatro São Pedro e a Estação de Tratamento de Esgoto, sejam oriundas de ações implementadas mais de quinze anos atrás?

Deixemos o otimismo de lado só por um momento. Está chegando o momento de realmente discutirmos a realidade da cidade. Taquaritinga não precisa de um herói montado em um cavalo branco, também não precisa de um destruidor de mundos que venha tocar um incêndio para reiniciar tudo. O que precisamos é de alguém ou de um grupo que tenha uma proposta concreta que vá além de sua vaidade, de resolver seus problemas pessoais ou de seus amigos e partidários ou de um sujeito que seja apenas o gerente da prefeitura. O tabuleiro do jogo eleitoral já está sendo montado e não precisamos de otimismo. Precisamos de seriedade.

Por outro lado, pensando sobre Voltaire, tenho comigo que loteria é sorte e o único cara que investiu em loteria e ficou rico foi o próprio Voltaire, na França, 300 anos atrás. Quando perguntado sobre sua “sorte”, o gênio francês respondeu que sorte é o que acontece quando a preparação e a oportunidade se encontram. Talvez, o que esteja faltando para nossa cidade seja um pouco de sorte.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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