Artigo: Eles passarão

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Por: Rodrigo Segantini*

Quero que o amigo leitor cite ou pense em três grandes poetas brasileiros antes de ler a próxima frase. Não tenho dúvida alguma que dentre os nomes que pensou estão Carlos Drummond de Andrade e Mário Quintana, além de algum outro pelo qual o amigo tenha algum apreço. No entanto, tenho certeza que Drummond e Quintana estão entre os selecionados por todo mundo para comporem essa lista genial.

Grandes escritores nacionais são imortalizados por suas obras, que se tornam tão conhecidas pelo público que acabam se enraizando no imaginário popular. Quem não conhece o “E agora, José?”? Pode até não saber que é do Drummond, mas conhece esse versinho, tão simples, mas tão simbólico… Por essa razão, é justo que os membros da Academia Brasileira de Letras, agremiação que reúne os maiores dentre as pessoas das artes do nosso país, sejam chamados de imortais.

No entanto, é estranho que dentre o rol dos imortais estejam alguns que nem sabíamos que tenham existido, enquanto outros que são realmente imortais, como Mário de Andrade, Graciliano Ramos, Erico Verissimo, Nelson Rodrigues, Clarice Lispector, Cecília Meirelles, Vinicius de Moraes, Rubem Braga ou Fernando Sabino, jamais compuseram os quadros da vestuta entidade, de modo que, embora imortais pelo gosto popular, jamais tiveram tal certificação oficialmente passada.

Dentre esses que são imortais sem que tenham feito parte da Academia Brasileira de Letras, além dos mencionados acima, estão os poetas Drummond e Quintana. Sei que causa estranheza, mas é verdade. Drummond e Quintana, por mais relevantes que tenham sido para a poesia brasileira, por mais queridos que sejam por todos que gostam de literatura e arte, nunca foram reconhecidos como sendo imortais pelos acadêmicos da instituição, fundada por Machado de Assis.

Mas, verdade seja dita, Drummond nunca quis. O pessoal chegou a convidá-lo, insistiram para que apresentassem seu nome para que fosse submetido à aprovação do plenário da casa, garantiram que ele seria eleito por unanimidade e sem concorrência e, mesmo assim, o poeta mineiro não quis. Em sua introspecção e timidez, respondia agradecido pela lembrança que não era afeito àquele ambiente e às experiências que proporcionava.

Por outro lado, Mário Quintana sempre quis. Porém, nunca deixaram. Ele se candidatou três vezes a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, perdeu todas: a primeira para Eduardo Portella, que tinha sido ministro da educação no governo do general João Figueiredo, último presidente da ditadura militar; a segunda para Arnaldo Niskier, um professor universitário versado em estudos literários mas não necessariamente um escritor de verve; a terceira para Carlos Castelo Branco, um jornalista. Nenhum de seus oponentes era um escritor como ele próprio era. Visto que não era querido no meio, sentiu-se desrespeitado. Para solucionar essa decepção, fez um de seus poemas mais bonitos e provavelmente o mais conhecido: o Poeminha do Contra.

O Poeminha do Contra são apenas quatro versos, que dizem assim: “Todos esses que aí estão / Atravancando meu caminho, / Eles passarão… / Eu passarinho!”. Essa foi a resposta que o poeta gaúcho deu aos presumidos gigantes que não o aceitaram assentado a seu lado. Um versinho tão singelo, mas tão cheio de conteúdo e propósito, pelo qual podemos tirar inúmeros significados. Para Quintana, foi um gesto de desdém ao desprezo que sofreu dos acadêmicos. Para mim, particularmente, sempre penso nos obstáculos que a vida nos impõe e que podem ser superados se soubermos como voar sobre eles e ultrapassá-los finalmente.

De fato, precisamos ter essa consciência. Os problemas, todos eles, passarão. Resolvidos ou não, todos os problemas passarão. Nós podemos nos deixar passar junto com eles e acabarmos passando também ou podemos escolher passar por eles, por cima deles e seguir em frente. Nada na vida dura para sempre e a vida é curta demais para viver com os pés no chão. Sejamos como pássaros que voam e cujos caminhos nunca se atravancam.

Insisto: tudo na vida passa. Que besteira a nossa ficarmos presos a convenções e a modismos, acharmos que tudo se resume a um boletim escolar, a um extrato bancário ou a um diagnóstico médico. A vida vai muito além disso. A vida vai muito além do que nosso trabalho, nosso patrimônio, vai muito além do que nossos dias, muito além do que nós mesmos. Vai muito além do que a Academia Brasileira de Letras. Não busquemos a imortalidade impossível, mas não deixemos de ir em busca do céu aberto e infinito, voando como os passarinhos.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

 

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