Artigo: Tudo joia?

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Por: Rodrigo Segantini*

Quando Dom Pedro II foi coroado imperador do Brasil, uma coroa foi confeccionada especialmente para ele. Ele permaneceu no trono brasileiro por mais de 40 anos e, em todas as solenidades, entre outras joias, sempre utilizou a coroa, que era, entre todos, o adereço que ele mais gostava e o mais valioso, porque foi feito sob medida para si e continha um simbolismo que representava sua condição personalíssima. Quando foi proclamada a República, em 1889, a família imperial partiram rumo à França, que mandou que recolhessem suas posses e partissem do nosso país. Dom Pedro e sua família não levaram as joias da coroa – e nem a coroa, que atualmente está exposta no Museu Imperial, em Petrópolis.

Quando um governante recebe um presente, não é preciso saber em que condição ele recebeu. A rigor, um príncipe de um país, quando dá um objeto para o presidente de outro, sabe-se, não quer presentear o ocupante daquele cargo, mas sim o país que ele representa. Isso é óbvio. Então, todos os presentes que um mandatário recebe faz parte não de um acervo particular que ele possa deter, mas sim do patrimônio público, ainda que seu uso e fruição possam ser restritos. Evidentemente, há exceções: quando o presente é algo de consumo ou de uso instantâneo, não se espera que seja guardado, por exemplo.

Em outubro de 2021, o ministro de Minas e Energia do Brasil, almirante Bento Albuquerque, fez uma visita ao Oriente Médio. Lá, foi discutida a relação dos países árabes com a Petrobras, uma empresa privada da qual o governo brasileiro é o sócio majoritário. Um mês depois, a Petrobras vendeu a Refinaria Landulpho Alves, na Bahia, para o Mudabala Capital, um fundo de investimentos mantido por príncipes árabes ligados à indústria petrolífera, por R$ 8 bilhões, embora seu valor de mercado fosse estimado em pelo menos o dobro disso. Coincidência ou não, foi nessa época que as joias que hoje estão no centro do mais recente escândalo da política nacional foram trazidas para o Brasil pela comitiva do ministério de Minas e Energias.

Vamos rememorar o tal escândalo: a Receita Federal avisou ao Gabinete da Presidência que havia em seu cofre no aeroporto de Guarulhos um conjunto de joias apreendido a partir da bagagem de um membro da comitiva do ministério de Minas e Energia que voltou ao Brasil vindo da Arábia Saudita em outubro de 2021 e questionou o que deveria ser feito, já que ele poderia ser patrimônio da União e por isso providências deveriam ser tomadas para regularizar sua propriedade. Ao procurarem saber o que estava havendo, já que ninguém sabia do que se tratava, descobriram uma situação inusitada.

Um dos assessores de Bento Albuquerque trouxe as joias, cujo valor é estimado em R$ 16 milhões, em sua mochila e, quando, na fiscalização de sua bagagem pela alfândega, ele não soube explicar do que se tratava. Então, a Receita Federal apreendeu o bem, à espera de que sua propriedade fosse regularizada. Se fosse particular, deveria pagar os impostos incidentes; se fosse público, o Governo deveria providenciar sua incorporação ao patrimônio da União. De outubro de 2021 até o dezembro de 2022, quando terminou seu governo, os assessores mais próximos do então presidente Bolsonaro fizeram manobras para tentar resgatar as joias apreendidas, mas refutando que pudessem ser patrimônio público, mas também não se dispondo a pagar os impostos incidentes sobre o bem.

Descoberto esse escândalo, Bolsonaro disse que não vê nada demais, já que essa não era a primeira vez que receberia joias de príncipes árabes, alegando que teria recebido outras, as quais, aparentemente, entraram sem terem sido declaradas à Receita Federal, sem pagar os impostos devidos. Bolsonaro não considerou a possibilidade de que o presente milionário que recebeu não era para o sêo Jair, mas sim para o povo brasileiro, representado no caso pelo seu presidente. Também não ocorreu a ninguém que é estranho que um fundo árabe tenha comprado uma refinaria de petróleo por metade do preço um mês depois de ter presentado o dirigente do sócio majoritário desta empresa com joias milionárias.

Só das joias conhecidas, que são as apreendidas pela Receita Federal, o valor estimado do que Bolsonaro aparentemente pretendia recebe um mês antes do negócio malfeito pela Petrobras na Arábia é de R$ 16 milhões. A venda da refinaria Landulpho Alves, cujo preço de mercado é de R$ 16 bilhões, foi por R$ 8 bilhões. Curiosamente, Bolsonaro e seus correligionários criticavam a corrupção na Petrobras atribuída a Lula envolvendo o tríplex no Guarujá e o sítio em Atibaia, que, somados, valem R$ 5 milhões. O valor das joias árabes que Bolsonaro quis pegar é cinco vezes maior que isso. Não se fazem mesmo governantes como Dom Pedro II…

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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