Artigo: Quem foi para o céu?

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Por: Carlos Galuban Neto*

Nos próximos dias, meu avô completaria 90 anos. Não sou dado à celebração de efemérides, mas a proximidade da data gera reflexões importantes.

Atualmente, vivo em uma contradição: de um lado, o tempo – lá se vão 14 anos do falecimento – ameniza a saudade, ajuda a substituir as lágrimas por sorrisos enquanto revivemos as lembranças de quem se foi; de outro, a crescente falta de fé torna as coisas mais dolorosas e incertas, trazendo dúvidas existenciais e angústias irreparáveis.

Será que nos reencontraremos um dia? Poderei contar que ele estava certo, que Messi se tornou um dos maiores da história? Conseguiremos assistir aos filmes de guerra e de máfia de que ele tanto gostava? Sofreremos juntos com os jogos do Coringão? Beberemos a cerveja que nunca tivemos a chance de beber? Revezaremos nos cadernos dos jornais enquanto discutimos a última bobagem que o governo, qualquer que seja ele, aprontou? Misturaremos pizza de muzzarela com leite como ele costumava fazer?

As pessoas tendem a enxergar o agnóstico como um covarde, alguém que, quando questionado sobre a existência de Deus, posiciona-se em cima do muro, com medo de tomar posições e desagradar a suposta Providência Divina. Se entrassem para a política, os agnósticos provavelmente estariam no PSDB (FHC já está lá).

Talvez seja em parte verdade, mas fato é que a covardia aqui não se dá por opção, mas por imposição: ciente de que provas negativas da existência de Deus seja impossível, o agnóstico deseja e tenta acreditar em um Criador, mas não consegue e, por isso, sofre. Tal qual São Tomé, o agnóstico nada mais é do que um fiel que precisa ver para crer. Ao contrário de Deltan Dallagnol e Sérgio Moro, preferimos as provas às convicções.

Não tive a oportunidade de perguntar, mas acredito que meu avô mesmo era agnóstico, dado o seu distanciamento da vida espiritual, embora não falasse muito do assunto, talvez para não desagradar minha católica e saudosa avó. Se fosse crente, era um muito discreto, pois não me lembro de tê-lo visto alguma vez rezando.

Não que ele precisasse rezar, uma vez que as conquistas da vida de meu avô nunca foram fruto de pedidos a instâncias divinas. Órfão de pai aos 04 anos de idade, viveu em orfanato parte da infância e sequer completou o ensino primário.

Assim mesmo, era de uma cultura e inteligência impressionantes e, ao longo dos anos, proporcionou à família o carinho, o amor e os exemplos que, durante a infância, a vida lhe negou. Pensando bem, se existe um Paraíso e relembrando o tema da última coluna, meu avô certamente atingiu com sobras a nota de corte para estar lá. Acreditar ou não em Deus era apenas um detalhe.  

*Carlos Galuban Neto é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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