Artigo: O mau perdedor

Compartilhe esta notícia:

Por: Rodrigo Segantini*

Uma das expressões mais curiosas que temos em língua portuguesa é a do “mau perdedor”. Diz-se assim do sujeito que é derrotado em situação na qual houve uma contenda e recebeu o resultado com arroubos de fúria e inconformismo. É um adjetivo negativo, com clara conotação de que se trata de um defeito. Portanto, nossa cultura repudia o “mau perdedor”.

Por outro lado, convenhamos, não há um “bom perder”. Afinal, não se espera que alguém saiba perder. Uma pessoa sabe o que ela estudou, aprendeu e se capacitou a fazer. E ninguém em sã consciência se qualificou e treinou até ficar bom em perder, ninguém busca a excelência na derrota. Então, se ser “mau perdedor” é um desvio de caráter, vamos deixar claro que ser um “bom perdedor” não é uma virtude.

A derrota é um resultado possível em uma disputa. Quem se dispõe a participar de um litígio em que há dois interesses ou propostas deve saber que há a chance de perder. Então, não se trata de ser um “bom perdedor” ou um “mau perdedor”, mas sim em respeitar o resultado expressado a opinião alheia à qual se submeteu quando aceitou participar com sua alternativa ao processo seletivo. Simples assim e nada além disso.

Entendida então a condição de derrota não como um fato consumado, mas como um resultado possível, a postura de “mau perdedor” assume, além ares de grave defeito, também de cores de imaturidade. Porque o reclamo do derrotado não é com vícios do processo em si ou com problemas havidos no certame, mas certamente e tão somente quanto ao resultado. Certamente, sagrado vencedor, não se oporia à sua vitória. Se ganhasse a disputa, aceitaria os louros do campeão. Em vista desta disposição de receber o prêmio da vitória, deveria também demonstrar resiliência ao encarar a derrota. Não o faz por imaturidade.

Enquanto a conduta do “mau perdedor” fica só na birra, isso não passa de um desconforto, de um inconveniente. Algo que merece no máximo um suspiro e um revirar de olhos. Afinal, pode ser pior retrucar a um chato que fica de mimimi por se sentir injustiçado com o resultado havido, isso servirá apenas para motivá-lo a seguir em seu chororô. Melhor é não dar confiança, mas, ao mesmo tempo, deixar claro sua discordância e sua oposição a seu entendimento. Todos sabemos que a melhor forma de resolver a pirraça de uma criança sem-educação é simplesmente ignorá-la, pois logo ela perceberá que seu esperneio não solucionará seu problema, menos ainda da forma que pretende.

Não é o que vimos no cenário presente. Jair Bolsonaro e parte de seus apoiadores não apenas são maus perdedores, fazendo muxoxos porque seu capitão perdeu a eleição presidencial. A postura desidiosa de rejeitarem o resultado havido nas urnas beira ao crime. Ao avaliarem e considerarem meios e métodos para tumultuarem a transição de governo, ao causarem confusão e transtornos nas rodovias, ao mobilizarem turbas para alimentar uma aparente sedição face às instituições estabelecidas, o que bolsonaristas estão fazendo é assumirem a postura e o comportamento que imputavam a seus adversários. Várias vezes, Bolsonaro disse que seus apoiadores são ordeiros e pacifistas e que seus adversários eram “black blocks”, “invasores sem-terra” e que tais. Agora, vê-se que, realmente, como a sabedoria popular já reza, o defeito que vemos no outro é, via de regra, aquele que nós mesmo carregamos.

Por outro lado, não sejamos hipócritas de nos surpreendermos pelos bolsonaristas estarem agora querendo impor ao país uma situação de tamanha beligerância que possa parecer sugerir que as Forças Armadas possam ser a solução. O presidente Jair Bolsonaro inúmeras vezes deu a entender que, em determinadas circunstâncias, a possibilidade de uma intervenção militar deveria ser levada a sério como uma alternativa. Em várias ocasiões, esteve prestes a implementá-la, só não tendo conseguido por não ter conseguido arregimentar o apoio necessário, seja junto à opinião pública, seja junto ao corpo político do país.

Não espero que Jair Bolsonaro saiba perder. Pelo contrário, espero que fique de fato bastante inconformado e até mesmo enfurecido por ter sido derrotado. Contudo, em vez de mobilizar os seus correligionários para que cometam verdadeiros atentados à nossa sociedade, o presidente deve compreender que o resultado das eleições o incumbiu de uma nova missão: o de, a partir de janeiro de 2023, liderar a oposição e fiscalizar o governo. Como militar que é, deveria ser lembrado que missão dada é missão cumprida.

Sinceramente, espero que Bolsonaro compreenda isso e assuma com fidelidade esse papel. Caso contrário, vamos encarar o caos e a desordem em breve, sendo promovidos pela balbúrdia que Bolsonaro, ao não fazer questão de conter, ajuda a promover. Ainda torço para que Jair mude seu comportamento e não seja tão mau perdedor como tem demonstrado ser nesta primeira semana.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

Compartilhe esta notícia: