Artigo: Que Deus tenha piedade

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Por: Rodrigo Segantini*

O Brasil é uma democracia recente. Independente há 200 anos, somos uma república há cerca de 130 anos, porém a democracia tem sido errante e é plena por aqui há pouquíssimo tempo. Apenas depois de 1988, quando a atual Constituição Federal foi promulgada, é que podemos dizer que realmente vivemos em um ambiente democrático – e a maior prova disso é a realização de eleições livres e periódicas nas quais participamos prestando nossos votos de forma universal e secreta.

Isso é realmente um privilégio. Há poucos lugares em que a democracia é exercida de forma tão ampla. Nos EUA, por exemplo, um cidadão americano não escolhe o presidente da sua república. Na verdade, ele vota em uma chapa de representantes que, de forma ponderada, representaram uma quantidade de eleitores em um colégio eleitoral, de tal forma que um candidato pode obter a maioria dos votos populares e ainda assim não ser eleito. Na Inglaterra, como se não bastasse fazer parte de uma monarquia em que o chefe de estado é um rei, a escolha do primeiro-ministro, que é quem desempenha as funções de chefe de governo, é feita pelos membros do partido que detém a maioria das cadeiras do parlamento, ocupadas em parte por pessoas eleitas pelo povo e outra parte por membros titulares da nobreza.

Por isso, não é em qualquer país que você encontrará pessoas que se empolgam com seus políticos de estimação e costumam levar isso quase como ato profético ou de fé. Hoje, as pessoas estranham o fanatismo de alguns por Lula ou por Bolsonaro, mas isso não é inédito. Outros políticos já tiveram sua legião de partidários que se comportavam como torcedores de um time de futebol ou como fãs de algum artista famoso. Isso é algo típico das terras brasilianas, pouco usual em qualquer outro lugar do mundo.

Desta forma, se por um lado temos a oportunidade de escolher os destinos da nação elegendo os cidadãos mais preparados para liderar nosso povo, por outro perdemos tempo devotando uma paixão desmedida a uma situação na qual deveríamos ser bastante práticos e objetivos. Pode-se até dizer que esse fanatismo é decorrente de nossas raízes latinas, porém, sabendo que esse comportamento é algo desfavorável e até nocivo, deveríamos nos esforçar para mudar nossa postura e exercer nosso direito e dever ao voto de forma assertiva, mas sem vieses que possam prejudicar a prevalência do interesse público sobre o particular individual.

Sem qualquer esperança de que um esboço de rascunho de uma missiva arrogante publicada na edição de um jornal eletrônico de uma cidadezinha do interior de paulista possa efetivamente comover o coração ou a mente de algum eleitor e também levando em conta que tudo indica que as circunstâncias eleitorais já estão cristalizadas nas condições que se encontram, o que esse pobre aprendiz de escriba pretende é clamar para que os poucos mas fiéis amigos que perdem seu tempo por piedade para ler o que ele rabisca, ao comparecerem diante das urnas para depositarem seus votos no próximo domingo, o façam compreendendo a solenidade deste ato. Se é para considerar a escolha dos próximos mandatários do país e do estado como algo próximo de uma profissão de fé, que então o façam como quem deposita suas esperanças no altar, de modo que o Senhor receba o clamor de nosso povo e se enterneça ao fazer cumprir sua Santa Vontade, como de fato sempre faz.

Não permitamos que nossa ignorância, nossa pequenez e nem nossa soberba turbe ou perturbe a grandiosidade que representa a manifestação de nossa vontade e da prolação em uníssono de nossos anseios. Na democracia ateniense, aqueles que tinham direito a voto iam à assembleia e manifestavam sua vontade e opinião sobre os assuntos de interesse popular, inclusive a seleção de seus líderes, por isso se dizia que era o governo do povo, como a própria acepção da palavra “democracia” em grego significa. No Brasil moderno, não dá para colocar dezenas de milhões de brasileiros em um único recinto para que todos possamos dizer o que queremos, pensamos e desejamos para nossa gente. Então, o façamos por meio do voto, levando em conta que estamos fazendo em público, para o público e para que o interesse público prevaleça sobre qualquer outro.

Espero que tenhamos sorte. Quem quer que seja o eleito por nossa gente, que ele, ao dirigir os destinos do Brasil ou os destinos de São Paulo, o faça com o coração desimpedido de vaidades, com as mãos limpas e com o coração aberto para as necessidades do povo. Precisamos mesmo de sorte, porque, sinceramente, não vejo em nenhum dos postulantes essas condições. Para ser sincero, mais do que sorte, precisamos da misericórdia de Deus. Que o Senhor tenha (mais) piedade de nós (em especial a partir deste domingo).

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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