Artigo: Microfone e responsabilidade

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Por: Rodrigo Segantini*

Uma das grandes ondas deste momento que vivemos são os podcasts. Como antigos programas de entrevistas que eram exibidos em rádio e em TV, os entrevistadores recebem convidados e batendo papo sobre determinado assunto. A diferença é que sua exibição é em canais de streaming, como Youtube ou Spotify, e duram duas ou três horas cada episódio. Atualmente, há dezenas de podcasts e para todos os públicos. Um dos mais conhecidos é o Flow Podcast, apresentado por Igor 3K e Monark.

Monark e Igor 3K mantinham canais no Youtube sobre jogos eletrônicos, sobre os quais faziam comentários, davam dicas e também jogavam partidas ao vivo. Porém, com o tempo, games deixaram de parecer tão atraentes para sua audiência e foram fazer o podcast. Sem as amarras de tempo e cobrança de audiência e retorno comercial próprios de um empreendimento comercial, como uma emissora de rádio ou TV, o Flow Podcast passou a chamar bastante atenção pela liberdade que os convidados tinham e pela forma descontraída da abordagem pelos entrevistadores. Agora que você sabe o que é o Flow Podcast e quem são Igor 3K e Monark, vou lhes falar porque todo mundo está falando deles nesta semana.

Em uma entrevista em que participavam os deputados federais Kim Kataguiri e Tabata Amaral – aquele se identificando como um político de pautas mais à direita e essa se identificando como uma política de pautas mais à esquerda, mas ambos mais para o centro do que aos extremos, Monark comentou, acreditando que estaria defendendo a liberdade de expressão, que, da mesma forma que o Comunismo, enquanto linha de pensamento que defende um estado totalitário e que foi responsável por genocídios na antiga União Soviética, pode estar organizado como um partido político, o Nazismo também poderia poder se organizar como partido político e que isso não aconteceria porque o pensamento político à direita sofre discriminação e preconceito, o que não aconteceria com pensamentos políticos à esquerda.

Na mesma hora em que o programa era exibido, começou a ser fulminado. Em razão do posicionamento de Monark como anfitrião da atração, anunciantes cancelaram seus patrocínios, convidados cancelaram convites para participarem do programa e entrevistados de episódios anteriores pediram que suas participações fossem tiradas do ar e do acervo do podcast. Monark pediu desculpas e que estava bêbado, mas o estrago já estava feito. Para tentar conter o dano à imagem do Flow, Monark acabou se desligando do programa e até do estúdio que o produzia, do qual era sócio. Se isso será suficiente, só o tempo dirá.

O filósofo austríaco Karl Popper, que era judeu no tempo da Alemanha Nazista, ao refletir sobre o que esse regime causou ao mundo e ao seu povo, concluiu que a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Neste contexto, a liberdade de expressão tem um limite claro para que a liberdade possa seguir existindo: não se pode aceitar que algo que atente contra a liberdade seja sequer debatido.

Mas essa não foi a primeira vez que Monark, sob o pretexto de que estaria defendendo a liberdade de expressão, se posicionou várias vezes de forma a parecer favorável a práticas reprováveis e mesmo criminosas. Em uma de suas declarações mais polêmicas, disse que alguém que tem pensamentos racistas não poderia ser considerado racista se não cometesse um ato racista – ou seja, você pode pensar o que você quiser e não pode ser censurado por isso. Mas, veja sua incongruência: só sabemos que uma pessoa tem pensamento racista se externá-lo ou se sua conduta for racista; caso contrário, não sabemos se ela é ou não racista. Ao externar um pensamento que pode ser favorável ao nazismo, Monark aceitou a possibilidade de ser considerado favorável ao nazismo. Ele pode não concordar, mas é assim que é.

Assim como praticar ou defender racismo é crime, propagandear nazismo também é. Se Monark cometeu esse crime ou não, isso exige uma apreciação que um artigo de jornal não é capaz de fazer. Mas que o rapaz andou sobre a lâmina de navalha e cortejou o perigo de ser defenestrado pela opinião pública ao divulgar suas ideias, não há dúvidas. Como um comediante que faz uma piada sem graça e se aborrece porque ninguém riu de sua pilhéria, Monark optou contrariado por se calar porque ninguém quis concordar com os impropérios que disse. Advertido várias vezes de que sua defesa sobre pautas polêmicas lhe cobraria um preço alto, não se importou. Agora, a fatura chegou.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.

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