Artigo: Quem vem lá?

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Por: Rodrigo Segantini*

Hoje pode ser um grande dia na história da humanidade ou mais um evento que se tornará uma piada a desnudar quão ridículo são nossos tempos. Pessoas pertencentes a um grupo que acredita que Donald Trump teria se tornado presidente dos EUA com a missão de livrar o mundo de diversos males estão reunidos em Dallas, no Texas, há vinte dias à espera do retorno de John Kennedy Jr, que morreu há mais de vinte anos em um acidente de avião. A data para isso acontecer é 23 de novembro, que foi a data em que seu pai, John Kennedy, foi assassinado enquanto visitava essa cidade.

Não é a primeira vez que isso acontece. Dentre os inúmeros casos em que o retorno de um líder é aguardado messianicamente, o mais notório é o dos portugueses, que esperaram por quase 300 anos pelo retorno de Dom Sebastião, o rei que foi liderar seu exército em uma guerra no norte da África e sumiu sem deixar vestígios, nem herdeiros no final do século XV. No começo, isso até foi levado à sério, mas com o tempo virou motivo de pilhéria, sendo uma das origens que zombam indevidamente da inteligência dos patrícios.

Contudo, os americanos que acham que o filho de John Kennedy voltará para conduzir o povo na tomada do poder não esperam que o próprio rapaz se torne o líder esperado da nação. Segundo a crença deste grupo, Kennedy Jr virá para derrubar Joe Biden e levar Trump de volta ao poder. E, embora desde o começo do mês tenha algumas centenas de pessoas aguardando a chegada de Kennedy Jr, é certo que dezenas de milhares de partidários de Trump confiam neste milagre e torcem para que ele aconteça.

Os adeptos desta crença estão alinhados com ao QAnon, uma teoria da conspiração de extrema direita que alega haver um grupo secreto formado por adoradores de Satanás que dirige os destinos do mundo, controlando os governos dos países, em um sistema denominado “Estado Profundo”; para os que acreditam no QAnon, Donald Trump lideraria a raça humana contra o Estado Profundo. Dentre os que acreditam nisso estão pessoas que se apresentam como alunos ou entusiastas de Olavo de Carvalho, o escritor tido como guru do bolsonarismo. Outro que parece estar por trás da difusão do QAnon é Steve Bannon, conselheiro estrategista de Donald Trump e próximo aos filhos de Bolsonaro.

Steve Bannon, aliás, esteve no Brasil algumas vezes. Na última delas, encontrou-se com o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente. Algumas das ideias que Bannon defende, como que a extrema direita está aqui para salvar o povo, que o presidente tem dons messiânicos e que há uma conspiração satânica para impedi-lo, se aplicam tanto para os adeptos de Trump, quanto para os seguidores de Jair Bolsonaro. O que se vê é que os conservadores brasileiros ligados ao bolsonarismo parecem emular os norte-americanos mais radicais em sua pauta ignorante.

Mas vamos lhe conceder o benefício da dúvida. Vai que John Kennedy Jr realmente apareça, não é mesmo? Pode ser que Ulysses Guimarães também volte e se espante ao encontrar a democracia brasileira em frangalhos. Ou quem sabe algum descendente de Juscelino Kubitscheck se levante para indicar aquele que livrará o Brasil das mazelas que enfrenta. Porém, caso John Kennedy Jr não surja, contrariando os norte-americanos de extrema-direita, que fique a lição para os brasileiros que gostam de macaquear o que os ianques fazem de pior para que parem de ficar esperando que algum político messiânico venha salvar a pátria.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.

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