Artigo: Camaleões nem sempre sobrevivem

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Por: Rodrigo Segantini*

Provavelmente, você nunca ouviu falar de Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord. Tendo sido bispo da igreja católica na França no século XVIII, era amigo do rei Luís XVI e fazia parte de sua corte. No entanto, tendo percebido que um movimento popular contra a monarquia e a igreja, não pensou duas vezes e, largando sua ordem eclesiástica, cerrou fileiras junto ao partido jacobino, ajudando a promover o que se tornaria a Revolução Francesa e ofereceu seus préstimos a Robespierre. Com a ascensão de Napoleão ao trono da França, Talleyrand se tornou ministro do Império. Quando acaba a era napoleônica e é restaurada a Casa de Bourbon no trono francês, Talleyrand se tornou primeiro-ministro do novo governo. No final da vida, pediu perdão ao papa e se reconciliou com a igreja católica.

Ao longo de 50 anos de vida pública, ele foi testemunha ocular da vida política da França na transição do século XVIII e XIX e soube como ninguém sobreviver neste meio. Ocupando cargos de confiança do governante de plantão, ele foi filiado a seis partidos políticos diferentes, defendendo ideologias totalmente opostas, conforma a conveniência de cada tempo. Acusado de ser cínico e imoral, o próprio Talleyrand dizia, para justificar sua infidelidade partidária, que servia à França e não aos regimes políticos.

A verdade é que Talleyrand era um sobrevivente e sua prioridade era se manter na crista do poder. De fato, conseguiu: não importava quem era o dono da coisa toda, se era o rei, o imperador ou o presidente, Talleyrand estava lá ao lado dele. O célebre escritor Victor Hugo, seu opositor, dizia que o político havia liderado duas revoluções e enganado vinte reis.

Roberto Jefferson deve se inspirar em Talleyrand. Tendo se iniciado na vida pública em 1971, tornou-se deputado federal em 1983 e só saiu de lá quando teve seu mandato cassado por envolvimento no mensalão, em 2005. Tendo seus direitos políticos suspensos até 2013 por conta disso, Jefferson não voltou a disputar novos cargos eletivos, mas, como presidente do PTB, seguiu militando na política.

Assim como Talleyrand, desde a redemocratização no Brasil, Jefferson está no governo. Foi um dos mais ferrenhos defensores de Collor, depois apoiou Fernando Henrique, liderou o apoio de seu partido aos governos petistas e ainda há pouco ecoava a verborragia de Jair Bolsonaro. Diferentemente de sua contraparte francesa, Roberto passou do ponto e foi preso.

Com pistolas nas mãos, defendia em postagens em redes sociais que o povo deveria se armar e invadir o Congresso para tomar o poder e que os ministros do Supremo Tribunal Federal deveriam ser derrubados. Bolsonaristas, esquecendo-se do passado versátil de Bob Jeff, aplaudiam seu conteúdo midiático. Mas, assim como seu atual líder, Jefferson se esqueceu de uma das mais preciosas lições de Talleyrand: a temperança.

A democracia tudo deve tolerar, mas os intolerantes. A liberdade de opinião não pode ser confundida com libertinagem intelectual. A falta de temperança das hostes bolsonaristas estão tornando quente demais a temperatura política do país. Falta-nos um Talleyrand que tenha habilidade para por água fria nesta fervura em vez de jogar álcool na fogueira.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos assinados não representam a opinião de O Defensor!

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