Crônica: Eufemismo para burrice – desinteligência natural

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Por: Sérgio Sant’Anna*

A figura de linguagem, eufemismo, utilizada abundantemente nos contextos que exigem moderação ou para expressar conteúdos polêmicos por meio de termos suaves e menos provocantes, beira a ironia – outra figura de linguagem. Declamada em versos de Drummond, autenticada por Manuel Bandeira ou mesmo soletrada em alto e bom som pelos modernistas este é um recurso da língua que poucos fazem uso ou quando o fazem contam com a sorte (repare que este já é um eufemismo que eu acabei de usar). E diante de toda essa excitação gramatical, a riqueza da nossa língua é argumentada de maneira singela, digamos doce, haja vista pelo vernáculo estabelecido numa sessão do STF, e proferida pela magistrada senhora Carmén Lúcia (a sua mineirice é história literária e política que o Brasil pode contar e sempre se alimentar).

O contexto em que a figura de linguagem aconteceu era este: os ministros do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes ironizaram na terça-feira, 21, a “inteligência” da suposta tentativa da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e do hacker Walter Delgatti de invadir os sistemas do do Judiciário. Carmén Lúcia brincou que não se preocupa mais apenas com a inteligência artificial, mas com a “desinteligência natural”. “Quando vossa excelência descreve que havia entre as notas, com as providências, a possibilidade de vossa excelência ter inclusive determinado a própria prisão, eu começo a não me preocupar mais só com a inteligência artificial, mas com a desinteligência natural de alguns que atuam criminosamente”. Na sequência, o ministro Moraes completou: “Vossa excelência, sempre muito educada, disse ‘a desinteligência natural’. Mas eu chamaria de burrice, mesmo, natural”. Resumindo os ensinamentos socráticos: há sempre tempo para aprender. Quem sabe num lugar sossegado, com a companhia de outros detentos, como eles alimentaram durante muito tempo e ainda alimentam serem favoráveis à tortura, inflamaram à população ao caos diante da democracia e continuam desinformando à população com essas mentiras nojentas.

A falta de inteligência, atrelada aos poucos livros lidos (aqui não há qualquer relação com a falta de acesso à Escola, porém a insistência na mentira, na inverdade, a permanecer na escuridão da ignorância) ou mesmo ao cego desejo na defesa de políticos-partidários de estimação, levam o cidadão a este patamar extratosférico. Alimentados pela estupidez filosófica de Olavo de Carvalho, assim como algumas dicas por parte desses técnicos que só leram livros de autoajuda e saem achando que tudo dominam, sobre tudo podem argumentar, e diante de uma rede social sem controle, proliferam-se feitos ratos, conquistam seus súditos, que também portadores da desinteligência natural saem por aí manifestando todo o seu lixo “sociocultural”.

Estamos diante de um dilema, cada vez mais perdendo nossos jovens e crianças para o submundo da internet. Crianças que antes viviam sua infância inventando, caindo, machucando-se, contando, vivenciando o real sentido da palavra vida, hoje, aconchegam-se na tela de um celular, obedecem aos comandos de um jogo, contam sobre a fúria do assassino que extermina seres humanos…jovens entorpecidos pela vida não vivida, pelos relacionamentos virtuais, pelo desejo projetado pela mentira das telas. Teremos, já temos, uma geração de adultos frustrados, medicados, incapazes de conviver com o real. Encantados pelo suicídio, imobilizados pelo erro, acompanhados pelo enterro de um dia não terem a oportunidade de sonhar…

Combater a desinteligência natural é um dever do cidadão brasileiro. E tu, quem parte para o campo político-partidário, e sai em busca de uma vaga como parlamentar ou gestor público, tem a obrigação de combater essa epidemia humana – a produção de zumbis. Através de políticas que incentivem à leitura, que alimentem à Cultura, que valorize e difunda à Educação. Mas, primeiro comece por vocês.

*Sérgio Sant’Anna é Professor de Redação no Poliedro, Professor de Literatura no Colégio Adventista e Professor de Língua Portuguesa no Anglo.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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