Crônica: As lágrimas que se avolumam pelos rios do RS são palanque para pseudopolíticos

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Por: Sérgio Sant’Anna*

Às lágrimas que escorrem dos rostos gaúchos e dos brasileiros que se juntam nessa corrente de solidariedade escorre pelos rios que atravessam o Vale do Taquari, Vale dos Sinos,  desaguando no Lago Guaíba sempre chamado de Rio. E lá no Sul do Rio Grande do Sul juntam-se às que se acumulam na Lagoa dos Patos. Estas que escoam aos poucos, quando o vento Norte ajuda, pela praia do Cassino.

A lama alimenta o cenário de guerra, ruas deram lugar às hidrovias, sendo os transportes que atuam pelas águas os mais requisitados. Carros, apenas submersos. Motos desaparecidas, ônibus e caminhões pelas rodovias permitidas. Seguros acionados. É um mar de incertezas. Climáticas e políticas. Um imenso navio à deriva. Náufragos sem ilhas, pois estas foram devoradas pela força e sujeira das águas.

Em meio ao conforto de seus lares, políticos digladiam-se pelo êxito nas próximas eleições municipais. A catástrofe histórica no Rio Grande do Sul tornou-se um palanque aos que almejam vitórias municipais nas próximas eleições, além da duríssima eleição geral que se avizinha em 2026.

Morei em Porto Alegre por quinze anos. Experiência valiosíssima. Amigos para a vida toda…Lembro-me que quando saí do Estado de São Paulo, alguns amigos e colegas de sala de aula diziam para que me preparasse para o preconceito que encontraria. Não o encontrei. Pelo contrário. Fui muito bem recebido e tratado. Aprendi a tomar chimarrão, mas não consegui torcer por um dos dois times da dupla grenal. Meu coração sempre foi alvinegro. Conheci o professor Fogaça, grande docente de Língua Portuguesa, cantado por Kleiton e Kleidir. Um dinossauro dos cursinhos portoalegrenses. Caminhos que trilhei. Universitário, Certo Vestibulares, Colégio Êxito, Escolas e Faculdades São Marcos, Anchieta etc. Experiências valiosissímas, caminhos enriquecedores. Momentos fartos, regados com muito churrasco e cerveja Polar.

Sim, vi a Arena do Grêmio ser construída, mas antes me impactei e lutei para que a escola que ali existia não fosse demolida. O ensino em ruínas. Passei pela Vila Farrapos antes e depois da Arena, frequentei o Humaitá; no Sarandi morei e por lá frequentei quase todos os cantos da ZN. Hoje a região mais afetada pelas águas. Não me esqueço da Região Metropolitana: em Canoas, lecionei. Fui professor de cursinho. E hoje vejo amigos e suas casas submersas pelas águas. Triste. Muito triste. Em Alvorada morei, ali na Americana, dava aula na São Marcos também, região em que amigos ficaram ilhados, casas devastadas, perderam tudo, porém uma legião de guerreiros mostrou-se forte e da esperança lançam a ajuda que aqueles necessitam. São Leopoldo, Novo Hamburgo eram meus pontos de cursinhos, inúmeras aulas, vários amigos. Centenas de alunos. Lembro-me de uma caixa e uma mochila com garras de uísque que ganhei de uma aluna por ter passado em Medicina na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul); não me esqueci das aulas de Língua Portuguesa para o ex-presidente do Novo Hamburgo e uma camisa do único campeonato gaúcho ganho pelo time do Vale dos Sinos. Minhas filhas nasceram em Porto Alegre, ali cresceram, conviveram…ali me casei, descasei…fui feliz.

É muito triste ver o Centro Histórico engolido pela lama, a Casa de Cultura Mário Quintana tomada pelas águas, livrarias consumidas, o Pedro Segundo inundado, o Mercado devastado, o Trensurb sem acesso, a vida que pulsava parada. Hoje daqui do Litoral Sul Catarinense vejo com tristeza o caos no meu Estado querido. Todavia, o Brasil está com o Rio Grande do Sul.

P.S.: Enquanto eu relia a crônica para enviá-la ao jornal, as chuvas retornaram com força no Estado vizinho. E Porto Alegre voltou a sofrer com as inundações.

*Sérgio Sant’Anna é Professor de Redação no Poliedro, Professor de Literatura no Colégio Adventista e Professor de Língua Portuguesa no Anglo.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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