21 de dezembro de 2024
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Entrevista exclusiva: Taquaritinguense é destaque na produção do filme ‘Ainda Estou Aqui’, indicado a representar o Brasil no Oscar

Nicole Santaella compartilha suas experiências no mundo da Arte e fala sobre a importância do longa-metragem de maior bilheteria nacional.

A taquaritinguense (nascida em Ribeirão Preto) Nicole Santaella é Coordenadora de Produção do premiado longa-metragem Ainda Estou Aqui, maior bilheteria do Brasil pós-pandemia, com mais de 2 milhões de expectadores.

Filha do casal Guto Santaella e Cristiane Pilon Santaella, irmã da Núbia e do Enrico, Nicole se formou em Dança pela ETAM Santa Cecília, graduada em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar.

Na faculdade, trabalhou como ilustradora, participou da rádio universitária, integrou grupos de pesquisas em Artes e focou no Cinema; foi assistente de pesquisa também na Universidade de São Paulo – USP.

Depois de formada, atuou em diversos curta-metragens e vídeos institucionais, integrou programas de políticas públicas do setor artístico, com destaque ao “Projeto Territórios Híbridos: meios digitais, comunidades e ações culturais”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, voltado à promoção da tolerância e da diversidade, por meio da interação de grupos sociais distintos entre si.

Tradição cinematográfica

Taquaritinga tem tradição em gerar grandes artistas e técnicos da 7.ª Arte.

Jeremias Moreira Filho, o Jerê, dirigiu o remake de O Menino da Porteira, com o cantor/ator Daniel e José de Abreu (2009).

Genézio de Barros estreou no superclássico Eles Não Usam Black-tie, de Leon Hirszman, ao lado de ninguém menos que Fernanda Montenegro e Gianfrancesco Guarnieri (1981).

Destaques da nova geração, Jair Peres atuou na montagem de O Cheiro do Ralo, de Heitor Dhalia, com Selton Mello e Alice Braga (2006), premiado no Festival do Rio de Janeiro e no Festival Beverly Hills; e Gabriel Miziara, que brilhou em Corte Seco, de Renato Tapajós (2013), ficção com base em “fatos reais” ocorridos na ditadura militar.

Além do saudoso Neco Pagliuso, que trabalhou com os mestres diretores Rogério Sganzerla e Andrea Tonacci, nos anos 1990.

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Nicole se junta a esse seleto grupo, Coordenadora de Produção do premiado Ainda Estou Aqui, do diretor Walter Salles, baseado na autobiografia escrita por Marcelo Rubens Paiva, com Fernanda Torres e Selton Mello no elenco, premiado com Melhor Roteiro no Festival Internacional de Veneza; escolhido na categoria Audience Award (escolha do público) do Festival Internacional de Miami e da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo; classificado no Top 5 dos melhores filmes internacionais da National Board of Review, de Nova York; indicado ao Globo de Ouro e escolhido para representar o Brasil no Oscar.

Nesta entrevista exclusiva, Nicole fala de sua paixão pela Arte e, claro, do filme Ainda Estou Aqui.

O Defensor: A frase, atribuída ao filósofo alemão Friedrich Nietzsche, diz que “A Arte faz com que nós próprios nos tornemos suportáveis e, se possível, agradáveis uns aos outros”. É por aí mesmo?

Nicole: Essa frase atribuída ao Nietzsche me remete à uma outra, semelhante, que a gente falava muito na ETAM, e se tornou minha segunda tatuagem: “Já que da Arte nessa terra não se vive, que a Arte ajude a fazer viver”.

Quando você escolhe trabalhar com Arte é porque você ama, diferentemente do jovem que, ao pensar na escolha da profissão,  tipo Engenharia ou TI, leva em consideração a aptidão voltada para o que vai dar dinheiro, que aponta ao mercado, ou o que dará mais glória. A aptidão de quem quer fazer Arte aponta ao amor à Arte, essa paixão que nos move a continuar vivendo nesse mundo maluco de hoje em dia; a Arte nos gera sensações e sentimentos diversos.

O Defensor: Ainda Estou Aqui é uma obra realmente carregada de sentimentos e sensações…

Nicole: O filme me gerou diversos sentimentos e sensações, mas diria que felicidade não foi exatamente um desses, tirando a felicidade pelo resultado do projeto, pelo impacto que tem tido no Brasil e no mundo.

O filme causa uma tristeza muito grande, passei um ano trabalhando na obra e chorei horrores! O filme causa certa revolta pela nossa ditadura, mas causa também orgulho por essa mulher, Eunice, a personagem central, ter feito tudo que fez pelo nosso País. Movida pela sensação de injustiça e impunidade, ela falou não vai ficar assim nem ferrando, vou fazer – e fez! E numa época em que não era nada fácil para as mulheres. O Brasil precisa aproveitar a visibilidade que o filme lhe deu pra conhecer mais a história da Eunice.

O Defensor: Qual a função da Coordenadora de Produção na cinematografia?

Nicole: A Coordenação de Produção depende da forma que as equipes se dividem. Basicamente, num projeto desse porte, tem a Produtora Executiva, que cuida do dinheiro do filme inteiro; a Direção de Produção, que lida com os orçamentos relativos à preparação e ao set e não a departamentos de arte e figurino, por exemplo, que tem orçamentos específicos; e aí vem a Coordenadora de Produção, que cuida de alguns orçamentos grandes, tipo equipamento, catering, etc., coordena os assistentes, checa horários, vê se tudo está acontecendo como tem que ser, ajuda na comunicação entre os departamentos, fala com a equipe técnica, supervisiona vários assuntos, sempre lado da Diretora de Produção.

O Defensor: Como foi trabalhar numa grande produção do cinema nacional, com Walter Salles, considerado dos melhores diretores da atualidade?

Nicole: O Walter é um perfeccionista, no início do ano, eu estava gravando “sons offs” e ambiências [conjunto de elementos físicos e emocionais de um ambiente que influenciam o clima emocional de um lugar] para cenas na praia e na casa onde filmávamos, porque o Walter achou que não estava muito bom, então, ele fechou a praia, de novo, na Urca, botou pessoas jogando bola, figurantes, equipes, uma loucura! Trabalhar com ele foi uma experiência incrível, e tem sido muito legal ver as pessoas visitar a casa em que a gente filmou, fazer tiktoks, compartilhando vídeos, fotos e histórias dos seus avós e pais que foram covardemente impactados pela ditadura brasileira.

O Defensor: Qual é o maior legado do filme?

Nicole: Nos dá muito medo a forma que o nosso País e o mundo estão hoje em dia, com essa subida da direita muito bizarra, com notas de fascismo. É apavorante, por exemplo, a eleição do [Donald] Trump, não que eu acha que haverá mudanças fundamentais na economia ou que ele vai sair expulsando todo imigrante dos EUA, mas acho preocupante ter um líder que é adepto do ódio e que faz com que as pessoas que também são adeptas do ódio se sintam mais à vontade para se manifestar.

Digo isso porque, na época do governo Bolsonaro, eu presenciei muitas cenas de ódio, gente xingando casais homoafetivos na rua, falando isso aí vai acabar e por aí vai, sabe? Nunca tinha passado por nada parecido na Zona Sul do Rio de Janeiro, onde eu moro.

Então, acho que o filme é um bom lembrete de que, no final das contas, quando um regime totalitário entra, todo mundo perde, porque não existe filtro.