23 de dezembro de 2024
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Artigo: 8 de março – já leu uma mulher hoje?

Por: Isabela Nascimento*

Mais um oito de março, mais uma série de reflexões que nos vem. Para muitos, a maioria dos obstáculos femininos já foram superados e, por isso, poderíamos nos limitar a fazer deste dia um momento tão somente de celebração e flores. No entanto, como diria a saudosa Gal Costa, “é preciso estar atento e forte”, ainda mais quando se é mulher. As armadilhas estão sempre prontas para nos ludibriar, e o passado, aproveitando para citar também Mario Quintana, “não reconhece o seu lugar: está sempre presente.” E eu explico o porquê.

Numa época em que falamos de autonomia, empoderamento feminino e desconstrução de comportamentos machistas, começam a ganhar notoriedade nas mídias sociais os chamados movimentos masculinistas – também conhecidos como redpill. Os coaches da masculinidade assumem o papel de conselheiros e motivadores de Tikt tok, cujo conteúdo é pautado na defesa da centralidade dos homens, na rigidez conjugal e no retorno total do domínio masculino. Os discursos – sem nenhum embasamento científico e que também surgem de coaches da feminilidade – mencionam uma suposta “energia masculina” versus a “energia feminina”, a primeira precisa ser mantida a partir da proibição aos homens de realizar tarefas domésticas. Já a segunda seguirá intacta se a mulher retornar ao estado de benevolência e submissão ao cônjuge, pois só assim será amada. Pois é. Tão cômico se não fosse trágico, uma vez que essas ideias retrógradas estão ganhando adeptos pelo Brasil afora, fazendo girar um mercado de oferta de cursos e lucratividade baseado no estímulo à misoginia (ódio ou aversão às mulheres.)

Um dos argumentos utilizados pelos adeptos do movimento “redpill” me chamou a atenção, eles afirmam que “a compensação histórica feminina já está passando do ponto.” Diante dessa afirmação, indago: Será que passar do ponto é ter um parceiro que divida as responsabilidades domésticas ou ainda um pai que compartilhe ativamente a criação dos filhos? De acordo com dados de uma pesquisa do IBGE divulgada em 2021, as mulheres passam, em média, 21 horas por semana cozinhando, lavando e cuidando dos filhos, tempo que equivale ao dobro em relação aos homens. Ainda que ambos trabalhem fora.

Será que passar do ponto é querer viver sem o medo constante de ser violentada ou assediada em qualquer situação cotidiana? De acordo com pesquisas do IPEA (2023), o Brasil tem cerca de 822 mil casos de estupro a cada ano, dois por minuto. Sendo que apenas 8,5% dos casos chegam ao conhecimento da polícia e 4,2% chegam ao sistema de saúde.

Será que passar do ponto é poder contar com o companheiro ao passar por um momento de enfermidade ou crise? Segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia, 70% das mulheres com câncer de mama são abandonadas pelos maridos, dados que confirmam: o amparo na enfermidade ou na privação ainda é um privilégio masculino em nossa sociedade.

Será que passar do ponto é lutar por salários igualitários para homens e mulheres que exerçam a mesma profissão? Com base nos relatórios de instituições brasileiras e internacionais, em 2021, a diferença salarial entre mulheres e homens que exercem a mesma função aumentou de 20,7% para 22% no país.

Ou será que preservar a energia masculina é manter o Brasil nas estatísticas de que a cada dois minutos cinco mulheres são violentamente agredidas? E que a cada duas horas uma mulher é assassinada? E que 30% das mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de violência doméstica?

Será que passar do ponto é escrever, comunicar, advogar, fazer política como os homens? Ou ainda reivindicar a dignidade de existir e transcender os caminhos trilhados por nossas ancestrais?

Se a resposta para tudo isso for sim, em nome de tantas irmãs, eu alerto: que o motorista não se canse, pois passaremos desse ponto e de todos os demais que apareçam em nosso itinerário, porque nosso destino é além e em qualquer lugar. Basta que nossos sonhos estejam lá.

É por isso que o dia de hoje é de celebração e de contestações, pois teimar é sobrenome feminino. Seguiremos teimando, denunciando, lutando e vibrando por cada conquista, sem jamais retroceder e sem permitir que discursos irresponsáveis como esses coloquem ainda mais mulheres em situações de opressão.

Finalizo – provocativamente – questionando os homens, que ao contrário do que muitos pensam, não são inimigos, mas sim parceiros nessa luta: como surgem as mulheres em seu cotidiano? São apenas as mães, esposas e namoradas ou há espaço para legitimá-las nas áreas da Ciência, política, Artes, música e cinema? Que tal elogiar mulheres, votar em mulheres, ouvir mulheres, assistir ao futebol de mulheres, validar as falas de mulheres e ler mulheres?

Fica a sugestão deste exercício, junto a ele deixo um abraço a todas as leitoras e leitores do jornal. Feliz 8 de março!

*Isabela Nascimento é Professora de Redação e Espanhol, Bacharela em Letras e Mestra em Estudos Literários.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.