Artigo: O governo Lula e o combate à fome: a recriação do Consea
Por: Luciléia Aparecida Colombo*
Em 28 de julho de 1988, foi publicado no Jornal O Estado de São Paulo, uma longa matéria, na qual Ulysses Guimarães saiu em defesa da Constituição Federal que então nascia. Sob acusações de que o novo texto constitucional traria ingovernabilidade ao país, o então Presidente da Constituinte defendeu que: “A Constituição, com as correções que faremos, será a guardiã da governabilidade”. Para Guimarães, entretanto, a ingovernabilidade era “a fome, a miséria, a ignorância, a doença inassistida. A governabilidade está no social. A injustiça social é que é a negação do governo e a condenação do governo”.
Nesta semana, assistimos à posse do candidato eleito, Luís Inácio Lula da Silva, que está em seu terceiro mandato presidencial e com ele, algumas demandas reacendem o debate sobre a necessidade de retirar o Brasil do mapa da fome, viabilizar políticas públicas para mulheres, jovens, população LGBTQIA+, além de reestruturar uma agenda que foi estabelecida com contornos progressistas ainda durante a campanha presidencial.
O programa de governo do candidato Lula foi chamado de Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil e possui 121 pontos de atuação, em áreas distintas. O programa se apresenta da seguinte maneira: “Neste momento histórico decisivo, conclamamos todas as forças sociais, políticas e econômicas comprometidas com a democracia, com a soberania e com o desenvolvimento a somarmos esforços para reconstruir e transformar o Brasil, resgatando as forças, o otimismo, a criatividade e a esperança do povo brasileiro”. O programa elenca alguns compromissos para a reconstrução do país, tais como: compromisso com a defesa da igualdade, da democracia, da soberania e da paz; com o desenvolvimento econômico de forma sustentável; com a justiça social, enfatizando a inclusão do trabalho, segurança alimentar, emprego e renda como prerrogativas essenciais para a reconstrução pretendida.
A proposta também enfatiza o compromisso do então Presidente com os direitos humanos, a diversidade e a cultura, bem como estabelece estratégias para conter os efeitos das mudanças climáticas. Sabemos das limitações dos Planos de governo, que não são documentos imutáveis e se apresentam como propostas gerais, e, mais ainda, indicam as principais linhas programáticas trilhadas pelos candidatos. Desta forma, cabe à sociedade uma fiscalização atenta e constante das ações do governo, para que estas propostas saiam do papel e tome escopo de políticas públicas. É importante ressaltar que os direitos políticos do cidadão não se esgotam no momento eleitoral, com o voto. Participar ativamente da política é, também, cobrar ações governamentais.
Um dos maiores desafios ao governo Lula é a erradicação da fome, que hoje atinge 33,1 milhões de brasileiros e uma das principais medidas técnicas adotadas por Lula foi a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), extinto pelo Governo anterior e recriado por Medida Provisória no dia 01/01/2023. A novidade é que o Consea passa a integrar a presidência da república, como um órgão de assessoramento, status que indica a abertura de uma agenda de políticas para conter a miséria e a insegurança alimentar, agudizadas durante a pandemia de Covid-19.
O Consea é formado por representantes da sociedade civil e por atores governamentais e é uma arena institucional que proporciona um espaço de diálogo para a formulação de políticas públicas, voltadas para a segurança alimentar e nutricional. Cabe destacar que o Brasil tem sido observado por agências internacionais, as quais fazem constantes recomendações sobre a necessidade da redução da pobreza e da miséria. É o que indica o relatório do Banco Mundial, “Brazil Poverty and Equity Assessment Looking ahead of two crises”, publicado em julho de 2022 e que indica um aumento exponencial da vulnerabilidade social, com uma paralela diminuição da atuação dos programas sociais governamentais.
Como em 1988, se o temor era a ingovernabilidade do país e não somente o abismo social, nossos olhos e corações agora em 2023 se voltam para retirar da extrema pobreza estes 33,1 milhões de brasileiros que não fazem três refeições diárias. Isso não é somente um ato político urgente, mas, sobretudo, uma missão da sociedade brasileira como um todo. Talvez a nossa maior obra coletiva e humana.
*Luciléia Aparecida Colombo é taquaritinguense e Professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.