20 de dezembro de 2024
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Artigo: O último a sair apague a luz

Por: Rodrigo Segantini*

Em Brasília, as pessoas estão impressionadas com o silêncio que há no terceiro andar do Palácio do Planalto. O presidente Jair Bolsonaro não o tem frequentado com a assiduidade esperada, nem mesmo cumprido o horário de expediente que a rotina administrativa exige. Desde que foram divulgados os resultados do segundo turno das eleições presidenciais, ele parece que desgostou de seguir em suas funções e não quer mais seguir nela.

Isso não é bom. A menos que algo surpreendentemente inesperado e cataclísmico ocorra em uma verdadeira reviravolta na ordem institucional, Bolsonaro é o líder da nação até 31 de dezembro de 2022, goste ele ou não – a menos, é claro, que morra ou renuncie. Se não for isso, ele tem mais um mês e meio de trabalho para frente e não pode simplesmente deixar de cumprir o que lhe cabe. Porém, ao optar por fingir que não está acontecendo nada, o que de fato ocorre é que ele deixa a administração formalmente acéfala.

O historiador francês Fernand Braundel sugeriu, diante do cenário havido após a II Guerra Mundial, que o poder não admite vácuo. Havendo um vazio de autoridade, ele é imediatamente preenchido por quem se impuser por força e habilidade, ocasião que pode dar azo ao surgimento de ditaduras e autocracias, sobretudo quando movida pela força das massas. Assim, um movimento popular poderia, sem sustentar nenhuma pauta ou proposta, criar uma circunstância em que, diante da ausência de uma autoridade, se impusesse alguém para desempenhar o papel de sua liderança.

Tudo indica que essa é a pretensão de Jair Bolsonaro. Ao descer de sua cadeira e não fazer questão de se manter sentada nela pelo prazo que lhe cabe, sugere às pessoas que o trono está vago e provoca o povo no sentido de fazê-lo ser ocupado de alguma forma. Seu intento se materializou com os tais atos que estão sendo realizados em frente a instalações militares, nos quais, ao tempo em que dizem estar lá invocando por democracia, pedem por intervenção das Forças Armadas, o que é claramente um contrassenso. Ocorre que, dia após dia, como se não bastasse a estupidez de esperar que uma providência que é claramente antidemocrática seja tomada a fim de garantir a suposta democracia, os participantes destes movimentos percebem que não passam de massa de manobra de interesses particulares.

Nem sou eu que digo isso, mas é a História do Brasil que mostra isso. Basta ver o que houve com Getúlio Vargas, quando, presumidamente com o apoio do povo, apesar de ter assumido a presidência por meio de um golpe em 1930, ele aplica em si mesmo um golpe e institui o governo do Estado Novo em 1937, que durou até 1945. Outros exemplos de governantes brasileiros que miraram o apoio popular para alcançar a autocracia são Jânio Quadros, que tentou fazer a mesma coisa em 1961 ao renunciar ao seu mandato presidencial (dando errado seu intento) e Fernando Collor, que, ao perceber que não tinha mais apoio político no parlamento, pediu que o povo demonstrasse seu apreço indo às ruas vestidos de verde e amarelo e deu causa às manifestações dos caras-pintadas (também falhando em seu propósito). Mas não custa lembrar que, uma vez, quando invocado pelo clamor popular a socorrer o país contra uma suposta ameaça comunista que João Goulart parecia incorporar, o Exército ficou no poder por mais de vinte anos.

Tudo isso para dizer que Jair Bolsonaro pode ser um Getúlio Vargas (que dá um golpe em si mesmo para garantir seu objetivo), um Jânio Quadros (um que desiste esperando que lhe peçam que volte) ou um Fernando Collor (um que pede que lhe apoiem para ter forças para seguir em frente), mas, de qualquer forma, jamais será admitido um vazio de poder. E daí vem a situação constrangedora que estamos vivendo: enquanto pessoas iludidas achando que Bolsonaro realmente se importa com o futuro do país quando na verdade ele está pensando apenas em si no que o aguarda no ano que vem, esse vazio de poder vai sendo preenchido por Lula, na condição de presidente eleito. Sem nenhuma possibilidade ou necessidade de diálogo de uma gestão com a outra, a turma de Lula vai assumindo a liderança do país e já falando em nome do Brasil. Enquanto isso, o povo canta o hino nacional diante de um pneu pegando fogo e o atual governante se mantém em um silêncio omisso e ensurdecedor.

Claramente, o último a sair que apague a luz no fim do túnel enquanto o povo espera que o primeiro a chega a acenda. Afinal, é disso que o brasileiro vive: de esperança, de esperar…. é uma pena que quem espera nem sempre alcance algo que realmente falha a pena ter esperado.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.