23 de dezembro de 2024
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Artigo: Intolerância com o intolerante

Por: Rodrigo Segantini*

O canal televisivo de notícias CNN Brasil mantém um programa chamado “Novo Dia”, no qual havia um quadro chamado “Liberdade de Opinião”, apresentado pelo jornalista Alexandre Garcia. Desde o início da pandemia de covid-19 no Brasil, no início do ano passado, Alexandre Garcia foi um dos ferrenhos defensores da forma como o governo Bolsonaro tem lidado com tal crise, incluindo o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes contra essa doença.

O jornalista bateu boca com Rafael Colombo, âncora do programa. Em outra oportunidade, a CNN emitiu uma nota oficial dizendo que não concordava com seu posicionamento. Por fim, Elisa Veeck, apresentadora do noticiário. Essa foi a gota d’água: depois desta vez, a emissora rescindiu o contrato que tinha com Alexandre Garcia porque, aparentemente, ele extrapolou sua “liberdade de opinião”.

Por isso, muitos disseram que o que houve foi uma censura. Sustentam que, em uma sociedade democrática, todos têm o direito de expressar sua opinião, independentemente de qual seja. É sustentado nesta ideia que o presidente Bolsonaro inclusive propôs que as empresas que fazem as curadorias de redes sociais sejam impedidas de limitar e apagar posts e de bloquear perfis e canais. Mas a questão sobre isso é muito mais profunda, é um dos maiores dilemas da humanidade.

O filósofo austríaco Karl Popper criou a ideia do Paradoxo da tolerância. Segundo Popper, a tolerância não pode ser ilimitada sob pena de dar causa exatamente à intolerância. Assim, ideias intolerantes, desde que contrariadas por argumentos racionais, embora não devam ser proibidas, podem ser restringidas e coibidas. Em um caso concreto, imagine que um sujeito, valendo-se do direito de expressar sua opinião, defenda deliberadamente o genocídio a partir do extermínio deliberado de um segmento da população. Isso nos parece inaceitável. Exatamente esse é o paradoxo: não devemos tolerar a opinião de quem defende o genocídio ou não devemos tolerar sequer a ideia da possibilidade do genocídio?

Por isso que o filósofo norte-americano John Rawls, em sua clássica obra “Uma Teoria da Justiça”, defende que uma sociedade justa deve tolerar o intolerante, mas que essa sociedade tem o direito razoável de auto-preservação, que deve superar o princípio da tolerância. Assim, alguém intolerante não terá pretexto para reclamar de intolerância já que liberdade para fazer ou dizer o que quiser lhe foi garantida, mas deverá saber que não será admitida que a segurança das pessoas e das instituições sejam colocadas em risco por causa desta liberdade.

Alexandre Garcia teve garantida sua liberdade de opinião, tal qual se denominava o quadro que apresentava. Valendo-se dela, o jornalista colocou em risco a segurança de sua audiência ao defender várias vezes condutas atentatórias à sociedade e à saúde alheia. Foi advertido várias vezes e mesmo assim persistiu em sua postura. Não houve intolerância, houve tolerância de sobra.

Até que houve um momento em que o limite para tanto foi excedido e então lhe foi imposta uma consequência por sua conduta imprudente e insana: seu contrato com a CNN foi rescindido. O jornalista não se importou, dizendo que, em contrapartida, o número de seus seguidores nas redes sociais aumentou consideravelmente desde sua demissão. Com isso, sinaliza que seguirá sendo intolerante, mantendo a forma que se manifesta.

Nossa sociedade está se esgarçando em uma briga dicotômica. Ou você é de um lado, ou você é do outro, parece que não há uma terceira via. Mas há: a terceira via é a ponderação, é o bom senso. Aos intolerantes de lado a lado, aos radicais de qualquer corrente e pensamento, devemos dedicar expressamente nosso desdém, nosso descaso e demonstrar claramente que a eles retribuímos e dedicamos a mesma intolerância que dedicam à nossa sociedade, a nossos irmãos. Quem sabe assim entendam onde está o limite à liberdade de opinião.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.