Artigo: As adversidades e a deusa Inspiração
Sérgio A. Sant’Anna
Ao longo dos anos fui alimentado pelo discurso de que para produzir um texto bastava estar inspirado. Atrelado a esse discurso senso comum, somava-se a definição de que a inspiração nascia da positividade (talvez os livros de autoajuda possam sanar esta dor), porém é com o tempo e o exercício da leitura que percebemos que a inspiração não é algo messiânico, salvífico. Não pertence a este ou aquele; e muito menos será sempre cercada de elementos positivos.
Somos inspirados pelo nosso dia-a-dia. O gênero crônica apresenta uma definição clara sobre a inspiração adquirida no cotidiano, somada aos elementos que nos envolvem nesse mundo cada vez mais dinâmico. Conversar com um amigo, destinar-se a um café ou um bar e observar aos que ali estão ou na janela de um ônibus apreciar a paisagem mesmo que já tenha passado por aquele local diversas vezes, o olhar tem a necessidade de sempre ver mais, detalhar… Mas também será importante aprender a conviver com as adversidades, tanto aquela que restringe o escritor ao vazio ou quando os sentimentos e situações negativas se aglomeram em seu cotidiano. É o momento propício para o texto ser confeccionado. Aproveitar as ideias definidas como negativas é parte do trabalho do escritor. Transformá-las em pérolas é a função daquele quem lida com o texto. E as boas ideias não estão apenas no mar calmo de águas cristalinas, águas turvas esperam por você.
A deusa Inspiração foi levada a este patamar devido aos gregos e consequentemente aos filósofos que atribuíam a eles essa dádiva. A exaltação a um mito, àquele que era o dono da sabedoria e a esta compactuava sendo este um dom, um elemento divinal. Porém, a escrita necessita muito mais de transpiração do que essa “mal empregada” inspiração. Escrita provém de esforço, de leitura, um exercício constante e rotineiro. Uma atribuição e responsabilidade àqueles que tentam, lançam-se a este caminho espinhoso, todavia fraternal. Cercado pela imaginação, mas dotado de ideologia e propósitos. Aí esta o “barato” da escrita, um movimento cercado pelo esforço, pelo suor, pelo empenho.
Faz-se necessário buscarmos elementos fora deste mundo imagético criado pela dulcíssima da inspiração. Cercarmo-nos de leituras, histórias, causos, que se associem ao nosso poder de regurgitação e transformar ideias em textos, sem os elementos míticos, sem o poder mitológico da deusa Inspiração.