Artigo: Isso é golpe

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Por: Rodrigo Segantini*

Não tem nada de mais, em uma reunião de amigos, você dizer que o Brasil enfrenta uma crise institucional sem precedentes ou que a polarização entre Direita e Esquerda pode trazer muitos prejuízos ao país ou mesmo que tem desconfiança acerca da regularidade do processo eleitoral e do funcionamento das urnas eletrônicas. Todos temos direito à opinião e à liberdade para expressá-la.

Porém, o que não pode acontecer é o Presidente do Brasil convocar uma reunião com os embaixadores do mundo todo e, com toda a solenidade que um ato deste porte exige, anunciar que o país flerta com o caos ante à possibilidade de ele não ser eleito no pleito eleitoral que se avizinha e insinuar a improbidade do método de apuração de votos, pelo qual, a propósito, se elegeu. Isso porque, em razão da estatura de sua função e de seu cargo, o que esse sujeito faz é dizer que a República está prestes a se esfarelar e que a Democracia irá ruir caso ele não possa seguir no comando da nação, de tal forma que se apresenta como salvador da pátria e que poderá se impor caso isso seja preciso para, a seu ver, defender os interesses do povo.

Isso é golpe.

O que Bolsonaro fez foi de uma estupidez sem precedentes. Ele está anunciando ao mundo inteiro que, caso não seja eleito pelo sistema eleitoral que diz ser fraudulento, a fraude que não consegue comprovar estará evidente, o que ensejará providências dos países do mundo afora – as quais, caso não sejam tomadas ou enquanto não as forem, dará azo para que ele próprio adote medidas para tanto. Bolsonaro está anunciando que, caso não seja eleito, poderá liderar um golpe.

O tio do pavê que fala que não confia nas urnas eletrônicas e diz isso em um almoço de família jamais liderará um golpe pretendendo se manter na presidência da República. A cunhada que manda figurinhas e áudios intermináveis pelos aplicativos de mensagens, quando divulga notícias mentirosas que fomentam a divisão do país em partidários do Lula contra partidários do Bolsonaro, não liderará um golpe pretendendo refutar os resultados das eleições. Mas alguém que é presidente da república pode, sim, fazer isso porque tem instrumentos institucionais e força política para isso.

Bolsonaro não pode falar qualquer coisa, como quiser e quando quiser. Como Presidente do Brasil, ele tem que se dar ao decoro. Quando o Presidente do Brasil fala algo, é como se o país inteiro se pronunciasse, ele fala em nome do povo. Então, seu comportamento tem que ser pautado na média. Pode haver pessoas que não confiam no sistema eleitoral, mas há pessoas que confiam; pode haver pessoas que temem o retorno de Lula, mas há pessoas que temem a manutenção de Bolsonaro. Então, não é certo que, na condição de líder do país, ele assuma uma posição que não representa a ponderação necessária.

Não existe tentativa de golpe. Existe golpe. Porque quando alguém tem a intenção de perpetrar um golpe na democracia, essa simples ameaça deve ser considerada como um golpe – frustrado, mas ainda assim um golpe. Quando você tenta algo, você já tomou todas as medidas para executá-lo e sua conclusão não se deu por causa de algo que foi além de sua vontade. Bolsonaro deu início ao golpe que quer dar na República no momento em que começou a fomentar a cizânia entre o povo e a pôr à prova a própria organização institucional de nosso país. A tolerância de outros líderes nacionais é preocupante porque avalizam o golpe anunciado, mas não diminuem sua gravidade.

Se Lula é ladrão ou não, se Ciro Gomes é louco ou não, se Simone Tebet tem apoio de seu grupo ou não, se Vinícius Poit é conhecido ou não, se João Dória usa calça apertada ou não, se Eduardo Leite é homossexual ou não…. tudo isso pouco importa. O que importa é que Bolsonaro chamou representantes de vários países do mundo para dizer, como Presidente do Brasil e em nome do povo brasileiro, que, caso ele não seja reeleito, poderá ser necessário tomar providências para invalidar o processo eleitoral que lhe foi desfavorável para que possa se manter na presidência. Isso é grave, isso é golpe e isso não pode ficar assim.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

 

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