Artigo: Em praça pública
Por: Rodrigo Segantini*
Um dos assuntos mais polêmicos do momento está sendo a contratação de shows de dupla sertaneja por prefeituras pelo país afora. Ao que parece, o questionamento é que o dinheiro pago a estes artistas teria melhor destinação se fosse aplicado para melhorar a qualidade dos serviços públicos prestados ao povo. De fato, algumas notícias dão conta de cidadezinhas com alguns milhares de habitantes contratando astros da música por valores vultosos enquanto a população sofre com as mazelas havidas em sua comunidade.
Nem vou entrar no mérito do que está acontecendo por aí, em todo o Brasil. Também não vou entrar no mérito se devem os órgãos de controle se atentarem a isso ou não. O que vou tratar aqui é de algo bem pontual: o show da dupla Fernando & Sorocaba que a Prefeitura contratou para a festa da cidade. Tem gente que diz que isso é verba carimbada da cultura, tem gente que diz que isso é dinheiro público livre; tem gente que diz que é uma despesa desnecessária, tem gente que está dizendo que merecemos mesmo festejar.
Apresentações de grandes artistas durante os festejos pelo aniversário de emancipação de Taquaritinga sempre aconteceram. Sem contar os shows promovidos durante a Festa de Peão organizada pelos Pampas, lembro que por aqui já estiveram Chitãozinho & Xororó, Daniel, Nando Reis, Moacyr Franco… então, criticar agora a vinda de Fernando & Sorocaba é ir no vácuo da polêmica do momento. Essa mesma discussão não houve quando outros músicos se apresentaram em praça pública.
Por outro lado, essa história de “dinheiro da cultura” não é bem verdadeira. As chamadas “verbas carimbadas”, cuja destinação é restrita a determinado objeto, se restringem às pautas da Educação e da Saúde. Não é o caso. Infelizmente, recursos para cultura só estão disponíveis se houver, não há valores que são exclusivos para seu fim. Então, o que pagará um show de um artista durante a festa da cidade é, caso seja uma obrigação exclusivamente da Prefeitura, um dinheiro disponível na execução orçamentária que poderia ser empenhado e gasto em qualquer outra despesa do município.
Assim, acima da hipocrisia descarada de quem vem apedrejar a contratação de duplas sertanejas para festas populares organizadas pelas prefeituras como se isso fosse a causa da podridão da república e acima da falsa argumentação de que existe uma verba carimbada para esse tipo de despesa, o que nos resta para discutir é se vale a pena contratar uma dupla sertaneja por R$ 200 mil com dinheiro público seja por qual motivo for.
Minha opinião clara a respeito disso é essa: depende. Prioridade no serviço público sempre haverá. Quando todos os buracos das ruas estiverem tapados, o problema será o recape delas. Quando houver vagas nas escolas e creches para todas as crianças, o problema será as atividades em período integral. Quando todos os remédios necessários para todos as pessoas na cidade estiverem disponíveis nos postinhos, o problema será os medicamentos de alto custo. Quando houver médicos 24 horas por dia nas UBS e na UPA, o problema será a falta de determinadas especialidades. Nunca acabarão os problemas no serviço público, não há nada que possa resolver os problemas no serviço público.
Então, se são insanáveis os problemas no serviço público, se sempre haverá problemas no serviço público, não adianta dizer que deveríamos resolver nossos problemas antes de contratar o Fernando & Sorocaba, já que isso nunca acontecerá. Porém, para contratarmos os cantores para a festa da cidade, a cidade deve ter motivo e condições para fazer festa. Endividados fazem churrasco aos finais de semana, pessoas com problemas em família viajam juntos e se divertem. Todos nós, particularmente, fazemos festa em casa mesmo quando não podemos seja porque não temos dinheiro, seja porque não há condições para isso. Festas então são importantes e devem ser feitas, fazem parte da vida.
Concluindo minha opinião a respeito disso é que a realização de um show do porte de Fernando & Sorocaba em praça pública por ocasião da festa da cidade é algo possível. Claro que o valor de sua contratação poderia ser empregado em outra finalidade, mas uma vez que a Administração entendeu que cabe no orçamento trazer essa atração, é porque as outras áreas da Prefeitura estão funcionando a contento, apesar dos pesares. Se o cidadão não concorda, uma discussão nesta em fóruns nas redes sociais ou nas mesas de boteco são absolutamente inócuas. Se o cidadão quer ponderar adequadamente a respeito disso, o local adequado é diante da urna, no dia das eleições. É ali que o cidadão deve fazer o show.
*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.