Artigo: Velas ao vento

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Por: Rodrigo Segantini*

O presidente Jair Bolsonaro tem insistido em questionar a validade das eleições a partir das urnas eletrônicas. Justo ele, que nos últimos vinte anos, foi eleito por meio deste sistema, agora está dizendo que ele não serve para isso. Bolsonaro tem feito mobilizações e pronunciamentos sugerindo que as pessoas deveriam se levantar para se opor a tal sistema – do qual, insisto, ele faz parte. Contudo, como era de se esperar, ele sugere que pode liderar esse movimento revolucionário, que, ao fim e ao cabo, se prestaria para dominar o Estado que ele, vejam só, já lidera como presidente.

A história já presenciou isso acontecer antes. Como exemplo de líderes políticos que estavam à frente do governo de seu país e promoveram revoluções contra o sistema do qual faziam parte, podemos citar, para não nos atermos apenas a Hitler, temos Mussolini, Lênin, Mao Tsé-tung, Napoleão e Robespierre. Todos eles lideraram revoluções porque o antigo regime estava desgastado e, ao final, se transformaram em tiranos ditadores.

Churchill disse certa vez, em um célebre discurso em 1947: “A democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”. Graças à democracia, eu, vocês e qualquer um que não estivermos satisfeitos com a situação podemos pretender mudá-la sem precisar pegar em armas, sem precisar criar revoluções, sem que sangue seja derramado.

Jair Bolsonaro agita a multidão esperando que reaja a seu chamado. Mas o problema não é a resposta que o povo pode dar a uma conclamação a uma revolta desnecessária. O problema é que o povo elege representantes ruins e, sobretudo, porque sabendo que os candidatos disponíveis são ruins, deixa de apoiar aqueles que poderiam ser bons ou mesmo deixa de se lançar candidato, deixa de participar de entidades civis e associações e acaba relegando ao poder público obrigações que não são dele, mas do povo, de cada indivíduo.

Não estou defendendo ninguém, não estou fazendo apologias. O que estou dizendo é que, na verdade, mais do que saber que um deputado federal custa por ano R$ 10 milhões e que um deputado estadual pode custar mais ou menos isso, o que mais me machuca é saber que o único caminho para se mudar isso é que os bons entrem para a política ou apoiem vibrantemente os menos ruins – o que nem sempre acontece.

Ao filósofo irlandês Edmund Burke é atribuída uma frase erroneamente uma frase muito interessante: “Para o triunfo do mal, basta que os bons não façam nada”. Enquanto os homens de bem não se unirem para democraticamente participar da sociedade, permanecendo assistindo a tudo passivamente ou meramente reclamando, os bandidos estarão agindo por aí. Para isso, não precisamos derrubar o sistema, mas assumir as rédeas do sistema, por meio do voto, elegendo pelo sistema eleitoral regular que há anos tem funcionado em nosso país pessoas que sejam capazes e capacitadas para nos representar.

O político francês Leon Blum, que foi primeiro-ministro da França pouco antes da II Guerra Mundial, fazendo uma comparação náutica, afirmou que os Governos são as velas, o povo é o vento, o Estado é o barco, e o tempo é o mar. Se o Estado é o barco e o povo é o vento, o Estado vai para onde o povo quiser ir – desde que as velas (ou o Governo, portanto) sejam boas e estejam a postos. É isso que precisamos fazer: nós, cidadãos de bem, boas velas, precisamos estar a postos. Nós estamos?

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.

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