Artigo: O problema do problema

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Por: Rodrigo Segantini*

É curioso que, em um momento tão delicado como o que estamos vivendo em razão de uma crise relacionada a uma doença, seja exatamente a Saúde a pauta que tenha causado tanta cizânia em nossa cidade. Em vez de nos unirmos em torno de um interesse comum, estamos brigando em torno de uma pauta sobre a qual não deveria, pelo menos não por ora, ser motivo de tantos conflitos.

Nem vou me dar ao trabalho de dizer quem está certo ou quem está errado, pois, para mim, é tão insano haver uma contenda sobre esse assunto, que não há como dar razão para qualquer um dos lados. Mas, claramente, a situação está girando em torno de uma circunstância, que é a instauração de uma CPI, objetivando justamente apurar denúncias sobre fatos relacionados à gestão na Saúde municipal e a respeito de condutas imputadas ao atual secretário responsável pela pasta. Porém, é sabido que, ainda que o alegado seja verdadeiro e que providências devam ser tomadas, é inegável que, por trás disso, também há um contexto político.

E aí é que começa o equívoco que tem nos sugado para o absurdo. Erramos rudemente ao deixarmos que a gestão política da Saúde ser mais importante do que o enfrentamento à pandemia. Pode até parecer a mesma coisa, mas não são – e, para provar o que quero dizer, vou usar um contexto mais grave. Imagine que agora, no meio da guerra que travam com a Rússia, os soldados ucranianos resolvam reclamar dos generais que os lideram e a se contrapor a suas ordens. Imagine que, no meio do estresse das batalhas, cheias de explosões e conflitos, os militares da Ucrânia resolvam deixar de lutar contra seus adversários ou defender a população porque duvidam da liderança e até da idoneidade de seus comandantes. Se isso acontecesse, não há dúvidas que a Rússia ganharia a guerra como se fosse um passeio pelo parque num domingo.

Claro que não estou dizendo que não devem ser levadas em conta as reclamações que os servidores da saúde estão fazendo a respeito do que dizem estar havendo, principalmente no trato humano. O que estou dizendo é que, em meio a uma pandemia, em vez de a gente levar em conta o quanto isso pode afetar o combate à doença, estamos deixando que isso vire uma questão meramente política, uma disputa partidarizada, em que acusações e ofensas são lançadas irresponsavelmente ao vento, sem se preocupar com outros aspectos importantíssimos, como, por exemplo, a implementação de políticas públicas eficientes e eficazes de combate ao Coronavírus e sobretudo no acompanhamento dos infectados a fim de evitar a propagação da doença, bem como tratar eventuais sequelas suportadas pelos enfermos.

Se há um problema político, a seara competente para isso é a arena política, cujo local por excelência é a Câmara Municipal. Subir na tribuna e ficar propalando palavrórios que atentam até à dignidade alheia ou põe à prova a probidade dos homens públicos não resolve nada. O que o povo quer é saber na prática o que será feito, o que o povo quer é saber se vamos ou não lutar e principalmente vencer o Coronavírus, o que o povo quer saber é se os profissionais da saúde estarão disponíveis e à disposição nas unidades de atendimento e com condições ideais de trabalho para poderem agir de forma proativa e adequada. O povo quer ver ação e não ouvir blábláblá.

Essa disputa comezinha, inclusive pelos microfones das emissoras de rádio, fazendo a região inteira ouvir que bagunça parece estar acontecendo por aqui não resolve problema algum. Os representantes do povo eleitos para representá-lo e fazer a coisa funcionar devem assumir seus papéis e fazer a coisa funcionar. Caso contrário, enquanto debatem prá lá e prá cá, teremos servidores insatisfeitos reclamando de suas condições de trabalho, prestando atendimentos que acabam deixando a desejar, mantendo a população tensa sem saber que estamos seguindo no rumo certo para resolver o problema. Em vez de resolver o problema, criamos outro desnecessariamente.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.

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