Artigo: As palhas da manjedoura

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Por: Paulo Cesar Cedran*

Com a proximidade do Natal, um certo espírito de harmonia e mesmo de paz e congraçamento parece tomar conta das pessoas. Se relacionarmos esse espírito a toda influência das mídias, teríamos então uma infinidade de considerações tão frias e calculistas para fazermos que pouco sobraria para de fato ainda tentar encontrar um sentido, ou melhor, o verdadeiro e único sentido que deve ter o Natal-que é o da celebração cristã da visita de Deus ao mundo através de seu filho Jesus.

Muitos dirão que esse sentido há muito se perdeu, em função dos comércios, negócios, lucros e de tantos e tantos interesses que movem os homens nos tempos atuais. As religiões estão superadas, Cristo ou o próprio Cristianismo não tem mais nada a nos ensinar e assim o 25 de dezembro voltaria a ser a festa pagã chamada Natalis Solis Invicti- Nascimento do Sol Invisível, em homenagem ao deus persa Mitra, popular em Roma ou associada a qualquer outra comemoração tão comum em tempos de “espiritualidade “exacerbada nesse comércio muito lucrativo que se tornou o campo das ideias numa visão holística distorcida.

Mas para a grande maioria das pessoas e ainda insistem em apostar no Natal de Jesus nada melhor que recordarmos como Deus em sua sabedoria suprema, mais uma vez mostrou aos homens que pouco ou quase nada aprenderam ou compreenderam de seus ensinamentos e da sua aliança firmada para resgatar mais uma vez o homem decaído e distante de seu amor e longe de seu paraíso.

Ao prometer o envio do Messias, queria renovar e firmar uma nova aliança, Deus entrega o próprio filho para que encarnado no seio da Virgem Maria nascesse homem e assim fosse igual a qualquer outro homem que habitasse a face da terra menos no pecado. Jesus, portanto, provará de todas as alegrias, mas acima de tudo de todas as dores humanas e conseguirá pela sua paixão, morte e ressureição, ressignificar a vida humana e dar um novo sentido aos homens que andavam nas trevas e que em Cristo- Jesus vem brilhar uma nova luz.

Nessa ressignificação que se insere o Natal verdadeiro aquele das famílias pobres, pois o mundo ainda hoje apesar de tantas riquezas ainda é justo e pobre é aquele em que verdadeiramente Jesus vem nascer. Recordo uma história que minha mãe me contava em sua família humilde, pobre mesmo, que na véspera de Natal minha avó Hercilia, começava preparar uma comida diferente para o almoço que também teria um assado com doces e manjares e para alegria das crianças até um guaraná.

As crianças também tinham que cumprir um ritual ajudando a limpar a casa, a varrer o chão que alguns lugares onde moravam era de terra batida, devendo também arrumar as camas com uma coberta um pouco melhor. Como não havia presépio nem árvore de Natal, uma outra tarefa era dada para esperar o Menino-Jesus. Minha avó dizia o seguinte: “-Olha Jesus nasceu numa estrebaria, foi colocado numa manjedoura em meio a palhas para se aquecer do frio e teve também o calor dos animais que estavam lá.  Então, você façam o seguinte:  montem uma manjedoura de gravetos e coloquem palhas bem limpas e sequinhas para que durante a noite enquanto vocês estiverem dormindo e Jesus vier nos visitar Ele encontre sua caminha bem arrumada e deixe um presente para vocês.”

Assim minha mãe e seus irmãos faziam e no outro dia lá estava alguns presentes bem simples que Jesus tinha deixado porque era dia de Natal. Hoje com a entrada de Papai Noel, com tantas luzes e cores talvez Jesus não consiga mais nos visitar. Nesse Natal está mais difícil ainda será o primeiro sem a presença de minha mãe, nem sinto vontade de arrumar as camas com os jogos de lençol que ela comprou em nossa infância e insistia para colocarmos na véspera ou mesmo olhar para o pequeno presépio e ver a manjedoura vazia e para colocar o Menino- Jesus.

Mas aquele espírito que ainda move os pobres que juntos com os pastores foram os primeiros a adorar Jesus Menino parece me dizer: _ Lembre-se mesmo diante de todo sofrimento sua avó ressignificou o Natal de sua mãe, sua mãe ressignificou o Natal de vocês e hoje cabe a você ressignificar o seu Natal e ter a certeza de que mesmo diante da dor pela ausência de minha mãe que estará presente até o dia de minha Páscoa eu possa colocar as palhas na manjedoura e pedir como Fernando Pessoa pediu no poema do Menino Jesus: “Quando eu morrer, filhinho seja eu a criança, o mais pequeno. Pega-me tu ao colo. E leva-me para dentro da tua casa. Despe o meu ser cansado e humano. E deita-me na tua cama e conta-me histórias, caso eu acorde. Para eu tornar a adormecer. E dá-me sonhos teus para eu brincar até que nasça qualquer dia. Que tu sabes qual é.”

*Paulo Cesar Cedran, Mestre em Sociologia e Doutor em Educação Escolar.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.

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