Zé Ramalho atemporal e as falácias de Messias: um ENEM com a cara do governo

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Por: Prof. Sergio A. Sant’Anna*

Confesso que quando Jair Messias Bolsonaro anunciou um ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) com a cara de seu governo fiquei preocupado. Imaginei o nível em que colocariam o maior exame para ingresso em uma universidade do País. Cansado de suas mentiras, falácias e fake news procurei acalmar meus alunos sobre uma possível intervenção diante dos conteúdos cobrados nesse exame, pois esse se realiza através de uma política de Estado – deixando assim um governo de ingerências, imprudências e corrupção sem ação. Sabíamos que questões que versavam sobre a Ditadura Militar já não apareciam no vestibular nacional desde 2019 quando Messias assumiu a Presidência da República, porém não conseguiria esconder diversos assuntos essenciais para compreensão do Brasil e de sua má gestão.

Feito isso, o temor era diante da temática da Redação. Escrever não é uma tarefa fácil, principalmente quando desta arte retiram seu problema, ocultam seu debate, surrupiam seu real objetivo. Pensei até no Esporte como uma vertente para o tema da Redação, todavia preparo meus alunos para escreverem sobre qualquer assunto. Trabalhamos com a técnica, falamos sobre um texto objetivo que se guia pela lógica, portanto, não há momentos para esperarmos pela inspiração. Texto dissertativo é transpiração. Esperei pelo eixo Educação, apostei na pandemia como um assunto volátil, perpassando sobre qualquer temática, todavia surge o tema: “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”. Mais uma vez um tema que traz à tona o eixo Sociedade, complexo para muitos, mas que escancara os problemas não enfrentados por esta Gestão Federal. Ainda temos três milhões de pessoas sem registro civil no Brasil e ainda há um grande debate, transgêneros muitas vezes têm dificuldade em garantir uma nova identidade no registro civil. É um tema que permite diferentes abordagens. Lembrei-me de “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos e seus dois filhos sem nome, sem registro, sem o exercício pleno de sua cidadania; não poderia me furtar ao caráter nietzschiano em “Memórias póstumas de Brás Cubas”: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”. O Exame Nacional do Ensino Médio seguiu os seus parâmetros, mesmo depois de 37 pedidos de demissão de funcionários do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e continuou a apostar em temas que versam sobre a desigualdade, que só se avolumam durante esta pífia gestão. Preparar alunos para a prova de Redação usando a tática do acerto de temas é de um extremo despreparo docente. Não podemos ser tragados pela inverdade e desmandos deste atual governo. Ensinar a escrever não flerta com adivinhações. Não acreditemos em cartomantes como publicara Machado de Assis em seu belíssimo conto, e assim também argumentou Olavo Bilac em uma das suas cotidianas crônicas parnasianas.

Assuntos como a fome e a pandemia não fizeram parte deste primeiro domingo de provas, todavia assuntos negligenciados pelo atual Poder Executivo foram elencados: ameaças às populações indígenas, racismo, minorias vulneráveis e disfunções do capitalismo. Quando a Filosofia aparece de modo elementar, essencial como em uma das questões evidenciando sua importância em relação à criação das outras ciências é fato que vivemos uma situação de um iluminar sobre os caminhos educacionais, apesar da má gestão do MEC (Ministério da Educação); Engels, Chico Buarque, Gonzaguinha, Nelson Sargento, Lima Barreto, “O alienista” de Machado de Assis são elementos que se aglomeram em busca de um ENEM imparcial, mesmo com seu nível em declínio e o descrédito de inúmeros estudantes. Contrariando um certo político, que afirmou ser esta geração alfabetizada através de Paulo Freire (estudioso que ele desconhece), gostaria que fossem sim educados através do método desse fenomenal educador pois não teríamos políticos como ele alimentando-se do dinheiro público e vociferando asneiras como inúmeros.

“Admirável gado novo”, composição atemporal de Zé Ramalho se fez presente e deixou o seu recado. Entendam como quiserem, todavia, mais amor e interpretação de texto não faria mal a ninguém. Como soa a canção: “Vocês que fazem parte dessa massa; Que passa dos projetos do futuro; É duro tanto ter que caminhar; E dar muito mais do que receber; Ê, oô, vida de gado; Povo marcado ê; Povo feliz”. Talvez a cara do governo e de seus seguidores esteja aí: através de mugidos e a passividade que sossegam apenas às panelas de inox e o verde/amarelo emprestado àqueles que desconhecem a história do Brasil.

*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor de Redação nas Redes Adventista e COC em SC e jornalista.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.

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