Erga Omnes – Johnnie Walker vs. João Andante

Compartilhe esta notícia:

Por: Gustavo Schneider Nunes

Os titulares da marca de whisky Johnnie Walker pediram a abstenção dos titulares da marca João Andante de comercializarem as cachaças por eles produzidas, bem como pleitearam indenização por perdas e danos em razão de alegados prejuízos de ordem patrimonial e extrapatrimonial que teriam sofrido.

A ação foi julgada improcedente em seus pedidos em primeiro grau, mas a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a existência de clara associação entre os elementos identificativos das duas marcas, pois apesar de comercializarem bebidas distintas (uma comercializa whisky e a outra cachaça), direcionadas a públicos diferentes, ocorreu a prática de parasitismo, por configurar uma nítida paródia da marca famosa com o intuito de obter vantagem lucrativa.

Como decorrência da declaração dessa ilicitude, o TJSP decidiu por: (i) proibir o uso da marca João Andante nos produtos por ela comercializados, sob pena de multa diária no valor de R$ 2.000,00; (ii) determinar a abstenção  do domínio de internet com a mesma expressão; e (iii) condenar a empresa em danos materiais – cujo montante ficou de ser apurado em sede de liquidação de sentença – e em danos morais no valor de R$ 90.000,00.

Na prática, isso configurou concorrência desleal e tentativa de captação indevida de clientela.

Entretanto, a alteração de João Andante para Andante não foi proibida pelo TJSP, com base em dois argumentos: (i) não seria possível concluir que a marca Johnnie Walker teria se apropriado da expressão isolada Andante ou de qualquer outra forma de variação, como José Andante ou Maria Andante; e (ii) a marca O Andante é acompanhada de figuras e letras completamente diferentes, em nada assemelhadas à marca Johnnie Walker.

Inconformados, os titulares da marca Johnnie Walker interpuseram recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (RESP 1.881.211-SP), alegando ter havido, nessa troca, violação ao princípio da boa-fé e que deveria ter sido exigida uma nova configuração visual que não se assemelhasse com a marca anteriormente usada, pois, se assim não fosse, seria dado continuidade à concorrência parasitaria – ou melhor: agora marcado por uma espécie de parasitismo residual.

Ocorre que o STJ não apreciou o mérito do recurso, por entender que essa matéria – parasitismo residual decorrente da troca da marca João Andante para Andante – não foi pré-questionada na instância ordinária, em razão de não ter sido especificamente debatida e decidida anteriormente no TJSP, e também porque a questão demandaria análise dos fatos, o que violaria a Súmula 7 do STJ.

A marca João Andante também recorreu, mas somente para obter a diminuição dos valores da condenação. Em relação aos lucros cessantes, o STJ manteve o acórdão proferido pelo TJSP. Todavia, o montante indenizatório atinente aos danos morais foi reduzido para R$ 50.000,00.

Parece-me que a conclusão do caso está correta, ao proibir o uso da marca João Andante e permitir o uso da marca Andante e de suas variações, uma vez que a proteção da marca deve ser analisada sob um duplo enfoque: (i) evitar a confusão pelos consumidores; e (ii) evitar o parasitismo indevido, com a obtenção de enriquecimento ilícito e de prestígio da marca alheia.

A única ressalva recai sobre a diminuição do quantum indenizatório dos danos morais, porque o valor mostrou-se irrisório e pode não desestimular a prática de comportamentos ilícitos semelhantes no futuro.

* Gustavo Schneider Nunes é advogado, professor e doutorando em direito pela UNAERP.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.

Compartilhe esta notícia: