Artigo: Para que serviu a CPI da Pandemia?

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Por: Rodrigo Segantini*

A CPI da Pandemia está prestes a concluir seus trabalhos. A partir de um pedido de instauração elaborado pelo senador Randolfe Rodrigues e atendendo a uma ordem judicial passada em mandado de segurança impetrado pelos senadores Alessandro Vieira e Jorge Kajuru, a comissão parlamentar de inquérito foi instaurada para apurar a conduta do governo e dos agentes públicos federais durante a maior crise sanitária enfrentada pelo Brasil nos últimos 100 anos.

Ao longo de seis meses, com trabalhos presididos pelo senador Omar Aziz e sob a relatoria do senador Renan Calheiros, a CPI da Pandemia teve seu início catalisado pela comoção havida pela crise no Amazonas, quando o Governo Federal protelou o socorro ao sistema de saúde daquele estado, deixando de enviar cilindros de oxigênio que estavam em falta e, em vez disso, lançou um programa para agilizar o chamado “tratamento precoce” por meio da prescrição do chamado “kit covid”, composto por medicamentos comprovadamente ineficazes para essa doença. No entanto, suas apurações não se detiveram só neste fato.

Além de comprovar que o Ministério da Saúde não foi capaz de conter a pandemia em razão de inúmeros equívocos e erros, a CPI desvendou muitas outras situações. O relatório final dos trabalhos do órgão deve ser expedido nos próximos dias e colocado em votação, servindo como manifestação final dos senadores a respeito deste assunto e, a partir daí, ensejará providências dos órgãos de fiscalização e controle, já que, aparentemente, houve ocorrência de crimes de diversas naturezas, tornando necessária a responsabilização a quem couber.

Há quem diga que a CPI da pandemia não serviu para nada e diz que tudo foi apenas um espetáculo circense. Não é verdade. A CPI desvendou que, aparentemente, o Governo Federal se desfez de inúmeras ofertas de vacinas feitas por laboratórios renomados. Também juntou indícios que demonstram que houve facilitação para empresas intermediárias conseguissem vender imunizantes que sequer tinham sido aprovados em seus países de origem. Foram juntadas provas de que pode ter havido um esquema de corrupção no Ministério da Saúde apesar da urgência sanitária que vivemos. Tudo isso pode ter resultado em uma política de gestão governamental que priorizou a retomada econômica em detrimento da proteção da vida humana.

O presidente Jair Bolsonaro e seus partidários consideram os trabalhos desenvolvidos e demonstrados pela CPI com o mesmo descaso que dedicou à pandemia de covid-19. Promovendo e estimulando condutas de altíssimo risco para a propagação da doença, desestimulando a prática de medidas profiláticas para impedir a infecção das pessoas, Bolsonaro e seus apoiadores optaram pelo conflito, sustentando um embate ideológico raso e desnecessário sobre pautas que, havendo milhares de pessoas morrendo por dia, não guardam qualquer relação com o combate ao coronavírus, como, por exemplo, a volta do voto impresso e o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal. Desenvergonhadamente, os correligionários do presidente promoveram atos fundados em aglomerações com o objetivo inescrupuloso de promover a imagem de Bolsonaro; não há notícias que houve mesmo empenho para visitar estabelecimentos de saúde que atendiam os enfermos para conhecer suas necessidades ou mesmo para se encontrar com as famílias enlutadas para lhes prestar condolências.

Independentemente das consequências que houver dos trabalhos da CPI nas esferas de responsabilização civil e criminal ou mesmo política e administrativa, seu maior resultado será o registro histórico do momento em que vivemos atualmente. No futuro, quando lembrarmos do que houve em 2020/2021, quando estudarem o que houve no governo Bolsonaro, sem dúvida a maneira ignóbil com que o Brasil se conduziu em meio à pandemia de covid-19 será a pauta mais relevante. Aquele que foi eleito com a promessa de acabar com a corrupção que corroía nosso país, em vez de deixar seu nome gravado como o líder que conduziu o Brasil com segurança em um momento de tanto perigo, acabará se tornando uma nota de rodapé irrelevante, como uma piada de mau gosto, ou então será uma página escura em nossa história. A saber.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.

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