Erga Omnes – Em torno da herança digital

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Por: Gustavo Schneider Nunes*

A Humanidade vive atualmente a Revolução da Informação. O desenvolvimento científico-tecnológico ocorrido nas últimas décadas dá a impressão de que o tempo esteja passando mais rápido. Fatos ocorridos do outro lado do planeta são imediatamente noticiados e repercutidos. O tanto de informação que uma pessoa obtinha há 100 anos no período de um mês é hoje obtido em questão de horas ao alcance de alguns clicks.

O mundo virtual criado pela internet tem alcançado todas as áreas. Governos, empresas, entretenimento, educação, relacionamento, comunicação, enfim, tudo o que ocorre no mundo real está conectado ao mundo virtual, de modo que não se tratam de dois universos paralelos e incomunicáveis. Há uma simbiose entre eles.

Nesse contexto, as novas tecnologias provocam inúmeras transformações no Direito e o Direito das Sucessões não fica de fora.

São poucas as pessoas que se preocupam em vida com o que fazer com textos, mensagens trocadas, fotografias, senhas, redes sociais, sites, livros, criptomoedas, milhas áreas, pontos em programas de fidelidade e diversos outros tantos arquivos armazenados na internet.

Certamente, a falta de legislação específica a respeito do tema gera insegurança jurídica e contribui para que situações semelhantes que chegam ao Judiciário sejam tratadas diferentemente.

Os Projetos de Lei 4.099/2012, 4.847/2012, 7.742/2017 e 8.562/2017 foram arquivados. Por outro lado, o Projeto de Lei 3.050/2020, encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados, aguardando parecer da Comissão de Constituição Justiça e Cidadania, que visa acrescentar parágrafo único ao art. 1.788 do Código Civil com a seguinte redação: “Serão transmitidos aos herdeiros todos os conteúdo de qualidade patrimonial, contas ou arquivos digitais de titularidade do autor da herança”.

Entretanto, parece razoável entender que os bens incorpóreos passíveis de inclusão na herança sejam aqueles dotados de expressão econômica, direta ou indiretamente.

Pense em um livro inédito escrito por um escritor de sucesso recentemente falecido, o qual tenha deixado o seu conteúdo armazenado em seu ­e-mail, ou, então, uma biblioteca de livros digitais na Amazon. Nesses casos, mostra-se evidente o conteúdo econômico dos bens e inequívoca a transmissibilidade por herança.

Já sob outro prisma, relacionado ao conteúdo das redes sociais, o tema merece enfrentado de forma diversa.

Os herdeiros podem ter pleno acesso às contas que eram movimentadas pelo falecido? Uma vez concedido o acesso, isso não violaria a privacidade, a imagem e outros direitos da personalidade do falecido? Seria viável, por exemplo, que herdeiros movimentassem uma conta do Instragram do falecido, desde que o acesso estivesse condicionado à eliminação das conversas e das interações feitas?

Nesse ponto, torna-se necessário distinguir os conteúdos que expressam valor econômico daqueles que envolvem a vida privada e a intimidade da pessoa do falecido, porquanto somente os primeiros devem compor acervo sucessório digital, na medida em que, no tocante aos últimos, por serem considerados direitos personalíssimos, encerram-se com a morte, ressalvada a existência de manifestação de última vontade ou testamento em sentido contrário.

*Gustavo Schneider Nunes é advogado e Professor

**Os artigos assinados não representam a opinião de O Defensor!

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