Erga Omnes – A implantação de embriões congelados exige autorização expressa do falecido

Compartilhe esta notícia:

Por: Gustavo Schneider Nunes*

Os avanços científicos e tecnológicos trazem à luz temas nunca antes imaginados em um passado recente. Há o surgimento de novos direitos e de novos sujeitos. Exemplo disso é a ação ajuizada pelos filhos do falecido com o fim de impedir que o material genético por deixado fosse utilizado pela madrasta viúva, sob o argumento de que não havia autorização prevista em documentação.

A sentença proferida pelo juiz de primeiro grau julgou procedente o pedido dos autores da ação, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao apreciar o recurso de apelação interposto pela viúva, deu azo a posicionamento diverso, por entender que havia contrato com o hospital encarregado de realizar a conservação do material genético, com cláusula indicando que o casal acordava que, em caso de morte de um deles, o sobrevivente passaria a exercer a custódia sobre os embriões congelados.

Confiar a guarda dos embriões à viúva seria uma espécie de autorização tácita para que fosse dada continuidade ao procedimento.

Por conta de recurso especial interposto pelos filhos, o caso chegou até o Superior Tribunal de Justiça, que, por sua 4ª Turma, proibiu a implantação de embriões congelados do cônjuge falecido na viúva, em razão da falta de consentimento expresso e inequívoco, como previsão em testamento ou em outro instrumento equivalente.

O Ministro Luis Felipe Salomão destacou que não existe regulamentação suficiente sobre reprodução assistida no Direito brasileiro, valendo-se, entretanto, da Resolução 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina como guia decisório, segundo a qual é possível a reprodução assistida póstuma, desde que o falecido tenha deixado prévia e específica autorização para o uso do material genético, haja vista que tal prática projetaria efeitos para além da vida do indivíduo, seja ponto de vista material e seja ainda a respeito de questões relacionadas à personalidade do falecido e das pessoas que viriam a ser concebidas dessa maneira.

O voto do Ministro Luis Felipe ainda invocou a aplicação do Enunciado 633 do Conselho da Justiça Federal: “É possível ao viúvo ou ao companheiro sobrevivente, o acesso à técnica de reprodução assistida póstuma – por meio da maternidade de substituição, desde que haja expresso consentimento manifestado em vida pela sua esposa ou companheira”.

A respeito da autorização estabelecida no contrato, asseverou que ela serve apenas para que a viúva ceda o material genético para pesquisa, descarte-o ou deixe-o preservado de modo intocado, mas jamais para implantá-lo em si, sem que exista expressa e inequívoca vontade manifestada pelo falecido para assim proceder.

Já para o Ministro Marco Buzzi, que foi voto vencido neste julgamento, não haveria nenhuma outra finalidade nos atos praticados pelo casal senão justamente o de que a reprodução assistida viesse a ser concretizada. O Ministro Marco Buzzi registrou que, “inclusive, o falecido submeteu-se a delicada cirurgia para obter material a fim de gerar os embriões. Isso sim é manifestação de vontade inatacável”.

Esse é um caso emblemático para sinalizar que os operadores do Direito precisam estar conectados aos avanços científicos e tecnológicos para poderem, em tempo hábil, solucionar conflitos marcados por rápidas transformações sociais, e que a jurisprudência, em casos assim, exerce papel decisivo por antecipar-se ao legislador e criar a norma a ser seguida como parâmetro para os casos futuros semelhantes.

*Gustavo Schneider Nunes é advogado e Professor

**Os artigos assinados não representam a opinião de O Defensor!

Compartilhe esta notícia: