Artigo: Profecia de Cassandra

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Por: Rodrigo Segantini*

Eram favas contadas. Quinze dias depois da semana que antecedeu ao Dia das Mães, os casos de covid-19 iriam voltariam a subir e dificilmente seriam detidos. Isso porque, no início de junho, começa a temporada de enfermidades respiratórias por conta da queda de temperatura pela proximidade do inverno. Todos sabíamos que isso iria acontecer. Mesmo assim, estivemos mais preocupados com a agonia do comércio e sua angústia em perder a meada da data mais rentável do ano.

A divisa defendida era que havia muita preocupação em se preservar CPFs, mas estaríamos prestes a assistir ao holocausto de CNPJs. Para quem ergueu essa bandeira, os cuidados em busca de preservar a vida das pessoas causariam a falência das empresas. Isso criou uma percepção de que haveria um conflito de interesse entre saúde e economia. Uma falsa percepção, como se vê, já que, uma vez que os trabalhadores estão doentes ou os clientes estão mortos, da mesma forma são afetados os empreendimentos.

Pouco tempo antes do Dia das Mães, o povo foi ao comércio para comprarem presentes às mulheres mais importantes de sua vida. No segundo final de semana de maio, os filhos se organizaram para visitar seus pais, ainda que escalonados para evitar aglomerações de irmãos. Eventualmente, as famílias se encontraram em restaurantes. Todo mundo tomou cuidado, sempre com máscaras, álcool gel e distanciamento. Todos preocupados. Agora se vê que não foi suficiente.

Os casos de covid-19 aumentam dia após dia. Mesmo com a campanha em vacinação em andamento, apesar de uma velocidade muito aquém da que deveria, os casos de covid-19, que estavam em queda, voltam a nos assustar. Os leitos em UTI voltam a se esgotar, as equipes de saúde já dão sinais de estafa e o medo e a morte voltam a rondar nossos corações. Tudo isso se torna aparente hoje, aproximadamente quinze dias depois do Dia das Mães, exatamente no tempo que o coronavírus demora para deixar seu rastro entre as pessoas que infectou.

Diz a mitologia grega sobre Cassandra, uma jovem que tinha o dom da profecia. Porque não se deixou levar pelos galanteios dos deuses, foi amaldiçoada com a descrença, de tal forma que ninguém acreditaria em suas revelações. O fato de saber sobre infortúnios que não conseguiria evitar e de dar alertas que não eram ouvidos levaram Cassandra a loucura.

Loucura não é saber, pelo que já tínhamos visto acontecer quando fomos indolentes nas festas de finais de ano, que estaríamos andando à beira do precipício liberando tudo nas proximidades do Dia das Mães. Loucura é o que esse país está se tornando com a partidarização de uma doença. Enquanto a gente discute se deveria ou não deveria, se pode ou se não pode, as vacinas não chegam e as pessoas morrem porque deixam de tomar cuidados básicos para evitar a propagação do coronavírus.

Não será surpresa se o preço a pagar por esta abertura que houve no começo de maio seja fechar tudo de novo em meados de junho. Infelizmente. Espero que todos nós estejamos preparados para isso, se for necessário. E que o Senhor nos guarde e nos proteja.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos assinados não representam a opinião de O Defensor!

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