Artigo: A chance perdida

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Por: Rodrigo Segantini*

A CPI da pandemia foi constituída para apurar as faltas do Governo Federal na condução do combate à covid-19. Não é para saber se houve falta, porque isso é certeza. Quando o Supremo Tribunal Federal decidiu que estados e municípios poderiam dispor de regramentos sobre isolamento social e restrições de circulação para conter a propagação do vírus, Jair Bolsonaro entendeu convenientemente que a Justiça lhe desincumbiu de tal atribuição. Como era contra que tais medidas fossem estabelecidas, o presidente cruzou os braços e deixou o mal grassar a terra. Isso é fato.

Por isso, o que a CPI da pandemia tem apurado é qual a extensão desta inação do Governo Federal e as consequências de sua conduta equivocada. A investigação ainda está no começo e muitas respostas ainda são aguardadas. Mas algo muito pavoroso já foi revelado. Fábio Wajngarten afirmou que o Ministério da Saúde não soube negociar vacinas com a Pfizer, que ofereceu cerca de 70 milhões de doses para serem entregues a partir de dezembro de 2020. Por isso, ele tomou à frente e conseguiu o contato com o próprio presidente do laboratório e o colocou em contato com o presidente Jair Bolsonaro. Porém, Wajngarten disse que o Governo Federal não teve interesse de levar a negociação adiante. Repito: o Governo Federal não teve interesse em comprar 70 milhões de doses da vacina da Pfizer por 10 dólares cada uma a serem entregues a partir de dezembro de 2020.

Em seu depoimento na CPI, o presidente da Pfizer disse que seu laboratório tem oferecido vacinas para o Governo Federal desde maio de 2020 e que fez propostas em sete oportunidades distintas, sendo solenemente ignorado. Com a intervenção de Fábio Wajngarten, ele disse que conversou por telefone com Bolsonaro e que depois diretores da empresa se reuniram com gente próxima ao presidente, como seu filho Carlos, para levarem a negociação adiante, o que não aconteceu.

O Brasil poderia ter recebido desde dezembro até agora pelo menos 18 milhões de doses. Como não foi feito o contrato quando deveria, o Governo Federal contratou vacinas da Pfizer agora, mas ao custo de 12 dólares. Comprou não 70 milhões de doses de vacina como a Pfizer ofereceu inicialmente, mas 100 milhões de doses. Isso significa um prejuízo de pelo menos 400 milhões de dólares e um atraso de seis meses de quando poderíamos estar recebendo tais vacinas.

Não é só o prejuízo para os cofres públicos. São as vidas perdidas. Com 18 milhões de vacinas a menos nos últimos seis meses, além da demora no início da campanha de imunização, que poderia ter começado em dezembro em vez de fevereiro, milhares de pessoas que morreram ou adoeceram porque contraíram uma doença para a qual já poderiam ter sido vacinadas. Ao recusar sete vezes as propostas da Pfizer, o governo Bolsonaro não só assumiu um rombo financeiro aos cofres públicos, mas também permitiu que milhões de brasileiros fossem entregues ao vírus e eventualmente levados à morte.

Há um pensamento popular que diz que três coisas jamais voltam: a flecha lançada, a palavra dita e a chance perdida. Bolsonaro disse demais bobagens demais e perdeu a chance de ser o líder que o país precisava e esperava que fosse, sobretudo em face da pior crise sanitária deste país. Resta saber se a flecha que a CPI da pandemia pode lançar contra seu peito e seu legado acertará seu alvo.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos assinados não representam a opinião de O Defensor!

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