Erga Omnes – Alternativas à “tragédia da justiça”

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Por: Gustavo Schneider Nunes*

Os brasileiros quando envolvidos em um conflito sempre buscaram resolvê-lo perante o Judiciário, como se não existissem outras vias ou como se estas tivessem importância diminuta. Num acidente automobilístico, numa divergência contratual ou num problema familiar, logo surge para as partes o Judiciário como o local em que o conflito deve ser apresentado, provocando uma enorme quantidade de processos.

Segundo o estudo Justiça em Números, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2015 tínhamos 102 milhões de processos, e, em 2019, 77,1 milhões. Embora o número tenha sofrido uma significativa redução nos últimos anos, ainda está longe do desejável.

Embora os Tribunais brasileiros estejam noticiando o aumento da produtividade, o que é algo positivo, isso também revela o tamanho do problema em que nós estamos metidos. No dia 17 de março último, o Presidente do STJ, Ministro Humberto Martins, noticiou que, no período de um ano de pandemia, a contar de 16 de março de 2020, a Corte proferiu 662 mil decisões. Ao considerar que o STJ possui 33 Ministros – e aqui não vamos considerar as distribuições de atribuições internas nem os sábados, domingos ou feriados –, de modo geral, cada Ministro, em média, neste período, proferiu, aproximadamente, 55 decisões por dia. É muita coisa, ainda que haja apoio de auxiliares e uso de tecnologia.

Os números são elevados e contribuem para a morosidade processual, que para muitos é indesejada e para outros é vantajosa, sobretudo para os litigantes habituais que sabem não possuir razão. Esses litigantes habituais muitas vezes se valem desse estratagema para pressionarem a parte desprovida de recursos a aceitarem um acordo muito aquém do que é devido, e, no fim, após tantos anos, apesar de condenados, ainda saírem no lucro.

Bens comuns pertencentes ao sistema judicial são exploráveis em nível acima do desejável do ponto de vista social, sendo consumidos em velocidade inferior ao tempo de produção, causando uma espécie de esgotamento ou colapso. A parábola “tragédia dos comuns” utilizada na literatura econômica pode ser utilizada como “tragédia da justiça”, pois o número de juízes e auxiliares continua a ser menor do que o número de novos processos surgidos a cada dia e o valor das custas judiciais é insuficiente para cobrir o total de gastos havidos ao longo do processo.

A situação assemelha-se ao quadro vivido pelos hospitais durante a pandemia, por terem um número de leitos inferior à quantidade de pacientes contaminados em estado grave, uma quantidade insuficiente de funcionários da saúde, um processo de vacinação lento e políticas públicas que não têm proporcionado o resultado esperado.

Algumas alternativas para reverter esse quadro já começaram a ser postas em prática: meios alternativos (adequados) de solução de conflitos (negociação direta, mediação, conciliação e arbitragem), técnicas de julgamento de casos repetitivos, precedentes judiciais vinculantes e ações coletivas. O problema quantitativo está sendo aos poucos resolvido. Entretanto, permanece a preocupação com a qualidade das soluções dadas a esses conflitos. Por isso, como um farol reflexivo direcionado ao enfrentamento desses temas, a considerar a mudança de mentalidade como condicionante para as coisas darem certo, valiosas são as palavras de Machado de Assis: “Há uma série de fatores, que a lei não substitui, e esses são o estado mental da nação, os seus costumes, a sua infância constitucional…”.

*Gustavo Schneider Nunes é advogado e Professor

**Os artigos assinados não representam a opinião de O Defensor!

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