Artigo: Saudades da Itabira Drummondiana

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Prof. Sergio A. Sant’Anna

Itabira ficou famosa para o mundo após os poemas narrados por Carlos Drummond de Andrade. Povo pacato, ambiente tranquilo, o sossego habitou por lá. Este que fora criticado pelo poeta em algumas de suas estrofes, influenciado pela vida construída na capital brasileira naquele momento (Rio de Janeiro). Ele desejava uma Itabira industrializada, dinâmica, aberta para o mundo. E onde ficaria o seu encanto? Aprendi a gostar daquela cidade, que conheci pela lírica drummondiana. Ela me faz relembrar a minha Taquaritinga, sentir falta dos amigos, da família, do ambiente tranquilo que ali vivi. Diferente dessa correria desorganizada da capital gaúcha e agora aqui no litoral catarinense. A ausência e essa nostalgia pairam principalmente neste período de isolamento. Amigos mortos pela pandemia, famílias dilaceradas, é muito triste esta situação que vivemos. Até quando, pergunto-me, depois de um ano sobrevivendo desta forma. E a estas memórias soma-se minha revolta, assim como a de milhões de brasileiros, a da falta que um gestor faz à condução dessa Nação.

Esta semana, lembrei-me de Roma e seu trágico incêndio. Embora historiadores atente-nos para a fatalidade que, talvez, houvera ocorrido em Roma naquele trágico dia, fico com Dion Cassius. Este foi um dos historiadores da época a deixar escritos sobre aquele momento horrível.  E foi um dos que acusaram veementemente o imperador Nero pelo ato, alegando que ele teria bons motivos para arruinar o centro de seu império. Dois desses chamam a atenção: ter a possibilidade de reconstruir Roma ao seu gosto (à qual daria o nome de “Neroni”) e acusar os cristãos, que, na ocasião, estavam em crescente ascensão dentro do império, mudando os costumes antigos, convertendo e moralizando os pagãos; há ainda a hipótese de que Nero, em um dos seus ataques de insanidade e extravagância, teria incendiado a cidade para contemplar a destruição de Roma do alto da torre de Mecenas, enquanto cantava o poema “Toiae Halosis”, composto por ele mesmo e dedicado à destruição de Troia. Nero era extravagante, controverso e mal-afamado. Nero fora deposto em 68 d.C. E com todas essas possibilidades: favoráveis e contrárias ao último da dinastia julio-claudiana surgem outras narrações, que se assemelham ao momento que estamos passando, contrário à tranquilidade itabirana de Drummond.

Nero toca sua harpa enquanto Roma arde em chamas e nos convida para assistirmos a morte de 5500 pessoas entre os dias 18 e 19 de março. Não é 18 de julho de 64 d.C., porém aquele que algo deveria fazer para combater o fogo, é o que alimenta o incêndio. Corpos a ele são números, portanto, estatística. A vida deixada, a família dilacerada, são esquecidas. Mitos são ególatras. São tomados pela psicose, e aqueles que os cultivam sofrem da mesma sanha.

Há aqueles estarrecidos, agoniados, destruídos, todavia nada fazem. Cantam feitos àquelas sereias que dizimavam com embarcações inteiras e nós, feitos os marinheiros, sem as ceras para depositar nos ouvidos, apenas escutamos e somos vencidos pelos fonemas musicais. Esse meu canto, o seu canto, o nosso canto de lamento, tornou-se ladainha, pois nada fazemos. Reagimos como muitos romanos consternados, porém atônitos diante de tanta destruição; casas sendo saqueadas, prédios ruindo, pessoas pisoteadas e muitos correndo de um lado para o outro gritando, ecos que se misturam à fumaça e encobrem aos mortos pelas ruas. Essa é a nossa situação. Perguntamo-nos a quem recorrer, todavia aqueles que deveriam nos ajudar já não pensam mais no povo, pois o período eleitoral acabou, e tomados da necessidade de poder escutam aos berros e se calam diante do pacto firmado com Nero e todos os seguidores de sua dinastia.

Até agora o que se viu do presidente da República Federativa do Brasil foram ataques aos governadores e prefeitos, o incentivo a remédios ineficazes, encorajador de aglomerações, inimigo das vacinas e difusor de informações falsas sobre a covid-19. Atos análogos ao de Nero. Ao de seres, que execram aos seus semelhantes. Roma pega fogo, Nero nada faz para apagar. Saudades de Drummond quando a reclamação era a vida besta de Itabira.

PS.: Meus mais sinceros sentimentos aos familiares das mais de 290.000 vidas perdidas no Brasil pela covid-19.

*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor de Redação nas Redes Adventista e COC em SC e jornalista.

**Os artigos assinados não representam a opinião de O Defensor!

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