A comunicação pós-moderna: mitos e verdades

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(Algumas doses de semancol ao interlocutor).

Prof. Sergio A. Sant’Anna*

Há anos o telefone de casa já não toca mais. Desde que a minha filha caçula, Valentina, acabou quebrando-o. Isso já faz seis anos. Decidimos, eu e minha esposa, não mais comprar um. Cada um tem o seu celular, portanto, aquele que deseja a comunicação conosco optará pelo móvel telefone individual. E com essa revolução diante dos meios de comunicação, o processo dialógico torna-se vital. O contato com o outro é essencial, porém o aspecto virtual tornou o emprego das palavras, a elaboração sintática das orações, a construção textual de suma importância. Você pode ser “cancelado” (o verbete do momento) caso não responda àquela mensagem enviada via “WhatsApp” por uma mão aflita, pelo fato do filho não saber o conteúdo para a prova de amanhã.

Esses dias uma colega professora contou-me que uma mãe mandou uma mensagem via “zap” e foi logo intimando:

– Tais (variante linguística catarinense) aí?

Minha companheira de profissão ficou pensando tratar-se de alguma brincadeira… e respondeu:

– Assim que chegar em casa te respondo.

A mãe, não satisfeita, usou de uma interjeição:

– Affffff…

Primeiro: esta professora estava em trânsito, pois saíra de uma escola e partia para outra a fim de completar à sua jornada; Segundo: a comodidade oferecida aos pais, passada muitas vezes através de um sorriso ou simplesmente um: “pode contar comigo”, acabam sendo interpretados como à disposição dos familiares 24 horas por dia.

Durante o ano passado, esse contato foi aumentado, devido à pandemia, abrindo fissuras linguísticas comunicativas de interpretações ambíguas. Vários responsáveis mandam-me mensagens em horários impróprios, procuro não responder, pois eles sabem da nossa disponibilidade e outros compromissos, inclusive o familiar, porém a comunicação, nesse caso, através de mensagens claras e precisas, parecem em vão. Manda-me mensagem um aluno:

– Professor, posso deixar a minha redação sem título?

Já passam das 22 horas. Chegava em casa das aulas noturnas. Fui responder quando pegara o celular pela última vez antes de dormir (parece que estamos possuídos por esses aparelhos):

– Sim. Sigamos o modelo ENEM, conforme eu expliquei em sala de aula.

– Ah, já passou o tempo e eu postei o meu texto.

Sei que o sangue ferve, todavia há que ser paciente, tranquilo, engolir e procurar digerir da melhor forma possível, no entanto isso deixa-nos mal. E todas as vezes que isso ocorre fico me perguntando naquele solilóquio docente: “Será que me fiz entender?”; “Devo estar atento a todo momento às mensagens que chegam por este aplicativo?”.

Uma das questões mais importantes, neste mundo pós-moderno, é saber comunicar-se. Como diria o velho e clássico guerreiro Chacrinha: “Quem não se comunica, se estrumbica”. De fato, tinha razão este imenso comunicador da tevê brasileira. Não pelo nosso calar fora do horário de trabalho, mas pelas palavras escolhidas, frases montadas, textos emitidos via redes sociais. Isso vale também para a comunicação empresarial, principalmente através de seus documentos. E infelizmente, hoje, as pessoas não ouvem o que você fala/escreve, contudo aquilo que desejam ouvir (sendo um tanto lacaniano).

Interessante, que diante desta exposição textual, você é analisado o tempo todo (vide 1984, de Orwell). E pairam alguns mitos diante desta vitrina chamada redes sociais. Vamos para algumas:

– O preciosismo gramatical. A sociedade continua, ainda, mesmo após o advento da Linguística e suas ramificações (vide Sociolinguística), continua a triunfar e humilhar com o preconceito linguístico, seja através de memes com erros ortográficos ou mesmo num “reality show” onde participantes zombam do dialeto de outros. Curso preconceituoso por um ensino que supervalorizou a Gramática Normativa e abandonou às Variações Linguísticas. Dominar à Gramatica da Língua Portuguesa não garante a construção de um bom texto.

–  Dominar a estrutura textual. Faz-se importante conhecermos às partes cabíveis aos diversos tipos de gêneros textuais (vide o texto dissertativo-argumentativo), todavia insistir na decoreba destas partes é apenas preocupar-se com o construtor de redação para o vestibular – a dissertação. É imprescindível que o discente ou mesmo o profissional carregue essas ferramentas, porém a alimentação dada a este texto é vital. Domina-se à estrutura, mas não há o que inserir na produção textual. Aí surge o denominado “branco”. Por que será que esse apagão aconteceu? Pela ausência de leitura. Simplesmente. Ler é a base. A raiz. A essência.

– Escrever o texto de primeira e não mexer. Achar que vai “psicografar”. Não é possível para simples mortais, principalmente àqueles que possuem aversão à leitura e insistem que podem escrever bons textos. Enganam-se. O texto necessita ser analisado, pensado, rabiscado, necessito pensar para quem estou escrevendo. Há que se ter planejamento, organização, leitura (conhecimento).

Agora, é preciso ter em mente quando se parte ao diálogo ou à confecção textual:

– O texto é um produto, portanto, devo pensar a quem estou escrevendo;

– Qual o gênero o meu texto contemplará;

– O texto necessita de conectivos (exceto o poema): conjunções, advérbios, preposições, pontuação, que serão responsáveis pelas retomadas deixando, através destas microestruturas, o seu texto coerente. Evitando ruídos, interferências e interpretações dúbias. Todavia, necessitamos de mais amor e “semancol” por parte dos interlocutore.

*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor de Redação nas Redes Adventista e COC em SC e jornalista.

**Os artigos assinados não representam a opinião de O Defensor!

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